Após me vestir e pentear os cabelos, eu desci bem devagarinho as escadas, ao lado da Felícia. Fui levada para a mesa do café, onde arregalei os olhos e lambi os beiços, faminta. Minha barriga chegou a roncar alto. Felícia ouviu, o que me deixou vermelha.
— Não prefere usar os talheres? — Com os braços cruzados para trás, Felícia me assiste comer um pedaço de bolo e um pedaço de pão doce que seguro em cada uma das mãos. Intercalando; oras mordo o pão e oras mordo o bolo.
— Não precisa, obrigada — falo de boca cheia, varrida de fome.
— Bom... tudo bem — ela sorri fraco. — Eu vou deixar que aproveite do seu delicioso café. Qualquer coisa é só me chamar.
— Humrun — confirmo, virando sedenta o copo de suco de laranja.
O bebi numa única golada.
Meu Deus, estou no paraíso. Nunca senti tanta fome assim. Quero provar de tudo na mesa. E eu faço. No final não consigo nem me levantar da cadeira direito, de tão cheia.
— Eu comi igual quando se joga ração misturada com comida no curral — digo para a Felícia, rindo ao imaginar os porcos comendo e fazendo oinc.
Ela segura a risada.
— Imagino, Kiara. E por favor, não precisa se preocupar com a louça. Temos empregadas para esse serviço. — Felícia adverte ao me ver juntando os copos chiques num canto.
Ela voltou depois que eu terminei o café.
— Ah, tudo bem. Desculpa. E o que eu posso fazer? Sou a Sra. Dexter.
— Não se desculpe. E é... você pode me acompanhar para conhecer cada cômodo da mansão.
Lembro-me das minhas dores pelo corpo, principalmente entre as pernas e nego delicada com a cabeça.
— Podemos deixar para outra hora? Eu... eu acho melhor.
— Claro, minha querida. Fique à vontade.
— Cadê o Sr. Dexter? — Pergunto, a assistindo parada, com a sua coluna reta, dentro de roupas certinhas.
— Ele saiu bem cedo com a caminhonete, para averiguar um dos armazéns de madeira.
— E ele volta que horas?
— Não sei com exatidão. Mas ele sempre volta para o almoço.
— Tá... — mordo o lábio. — Quero ir ao jardim. Posso?
— Sinto muito, mas o patrão ordenou que você não saísse da mansão hoje.
Assinto cabisbaixa. Jamais vou desobedecer a uma ordem dele.
— Só que em compensação, também me ordenou que a levasse para conhecer a biblioteca. Já que adora de ler. Gostaria?
Meus olhos brilham na mesma hora e balanço a cabeça em sim, sem parar. Ela ri.
— Então vamos. Prevejo que passará horas naquela imensidão de livros. Vai ficar maravilhada.
Acho que a Felícia estava certa, pois assim que ela me levou para o andar de cima e puxou a porta chique da biblioteca, eu fiquei boquiaberta e zonza diante do incrível lugar. Nem nos meus sonhos eu esperava por isso. Tem livros para se perder de vista. E é tudo tão bonito, de luxo. Parece que vou destruir apenas com um toque.
• • •
Permaneço por horas na biblioteca, procurando livros e achando milhares. Mas encontro um romance de época. E quando estou na página sessenta dele, eu levo um susto ao escutar a porta sendo aberta bruscamente.
— Senhora, por favor, o Sr. Dexter não vai gostar...
— Ele não tem o que gostar! Está completamente louco!
Me ergo devagar da poltrona, assistindo uma mulher muito bonita caminhar brava para o centro. Ela tem cabelos pretos e curtos. Usa um vestido azul de revista de madame. Nunca vi mulher tão bonita. Ela parece ser uma rosa.
A mulher me encontra e assustada com o seu olhar acinzentado, eu dou um passo para trás.
— Ah, oras! Parece ser verdade mesmo!
— Senhora, foi uma viagem longa, estamos preparando a mesa do seu café. Melhor esperar o Sr. Dexter voltar e...
— Cala essa matraca, empregadinha! Não é a governanta da mansão e nunca saberá ser uma!
A mulher chique me analisa de baixo em cima. Fico encolhida com os braços, cheia de vergonha por usar um vestido bege que mamãe costurou, pois há duas semanas estava nadando com ele no rio perto de casa e ele rasgou na margem, após enganchar num galho seco.
— Como é o seu nome, garota?
Engulo em seco.
— K-Kiara. E o da senhora?
— Eu sou Lorenza Dexter!
A mulher range os dentes e olha para a Felícia.
— Anton fez isso só para me atacar e humilhar o nosso sobrenome. Ele está louco, doente da cabeça!
— Não diga isso, Sra. Lorenza... não sabemos os reais motivos.
— Reais motivos? Da noite para o dia o seu patrão aparece casado com uma adolescente selvagem e não sabe os motivos? Larga de ser burra! Não tem nem três meses da morte do Rangel. Anton está agindo como um doente! Quando o luto passar ele verá a merda que cometeu! Mas vou tentar consertar essa dessa vez! — Ela me fuzila com feição de nojo. — Antes que saia nos jornais e em qualquer buraco de fofocas as fotos dessa aí.
Então a mulher ergue a cabeça, vira as costas e se retira rápida, fazendo barulho com os seus saltos altos e preocupantes, pois parece que vai cair com esse negócio. Felícia fica e me dá um sorriso de linha.
— A Sra. Lorenza é a mãe do Sr. Dexter.
— Ela é muito brava... o que vai fazer comigo? — Pergunto com medo e com os olhos trêmulos.
— Lorenza não tem poder nenhum nessa casa. Ela chegou da cidade às 06h da manhã. E não sei como descobriu tão rápido que o Sr. Dexter apareceu com... com — Felícia pausa. — Apareceu casado e com uma moça tão nova. Não sinta medo. E peço que espere aqui, volto daqui a pouco para buscá-la, caso seja ordenado.
Balanço a cabeça e me sento mordendo os lábios.
Talvez seja só um mal-entendido. A mãe do Sr. Dexter verá que eu sou boa. Não sou uma pessoa ruim.
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COMPRADA SEM AMOR • COMPLETO
Romance+18 | Após um mês completado os seus dezessete anos, Kiara Lemos foi vendida pelo próprio pai para um fazendeiro milionário do estado, o recém herdeiro Anton Dexter. E em meio a sua inocência ela acredita que o homem que a comprou como esposa é um p...