Anne Shirley acordou mais cedo do que nunca naquele dia. Primeiro dia de aula! Ah! Como era fascinante! Sua mente borbulhava em mil e um pensamentos diferentes e o coração transbordava de ansiedade. É verdade que a menina sempre foi muito sonhadora naturalmente, mas quando se tratava de ir à escola... e, principalmente, uma escola nova! Aluna nova!
—Acorde, Walter! Está um lindo dia hoje! Ah, não é incrível pensar que todos os dias renascemos novamente? Com novas oportunidades, novas chances, novos sonhos...? Olhe para essa linda manhã! Olhe como até a gloriosa rainha das neves parece mais bela hoje! Como eu amo viver neste mundo!
Os Cuthbert tomaram um café da manhã digno de um primeiro dia de aula. Ventava muito lá fora, por isso, Marilla mandou que vestissem um casaco mais quente antes de saírem. Conhecendo muito bem sua irmã, Matthew já sabia que ela já estava completamente apaixonada pelas crianças, especialmente por Anne, por quem tanto relutou. Marilla nunca foi uma mulher de dizer palavras muito bonitas, dar abraços e beijos, mas possuía uma forma de carinho que o velho Matthew já sabia identificar facilmente depois de anos e anos de convivência. E uma delas era se preocupar com que tipo de casaco usar em dias frios.
Anne e Walter tagarelaram até a metade do caminho, quando se encontraram com Diana. A partir de sua chegada, Anne os apresentou, e o menino decidiu que era melhor se calar um pouco, pois ainda precisava ter cuidado para não mudar nada no rumo da história. Diana Barry ainda não conhecia o mais novo Cuthbert, e precisou admitir para si mesma que ele era bonito. Ele era realmente muito bonito. E mais velho. E parecia ser inteligente.
Anne se sentou com sua melhor amiga e Walter decidiu sentar-se no fundo, ao lado de um menino cujo nome era Charlie Sloane. Se não se enganava, o jovem Blythe já tinha ouvido falar desse nome, mas realmente não lhe vinha à memória de onde e quem ele era. Era um menino alto, bastante magro, com cabelo castanho-escuro e possuía mãos com dedos longos e muito finos os quais utilizou para tamborilar na mesa durante toda a aula, de forma que Walter mal podia se concentrar.
O professor era alto, tinha olhos sérios que pareciam observar a tudo e todos, além de parecer estar julgando um por um. Até o que parece, somente Walter e Anne eram alunos novos.
—Levante-se! —ordenou o professor fazendo Anne ficar de pé imediatamente, com os olhos arregalados e tensos de susto. —Apresente-se.
—Meu nome é Anne Shirley Cuthbert, tenho...
—Não importa quantos anos. —interrompeu Mr. Phillips virando-se em direção a Walter. —Sua vez.
—Sou Walter... hm... Cuthbert. —novamente o garoto quase dizia seu sobrenome verdadeiro herdado de seu pai. Precisava urgentemente controlar isso.
—Não tem certeza do seu nome? —debochou. —Sente-se, garoto.
Seguiu-se então uma longa e tediosa aula de geometria. Anne odiava tal matéria com todas as forças que ela poderia reunir e até aquelas que não podia. Walter tampouco gostava, e estava distraído. Com a visão periférica, podia reparar alguém o observando. Oh, céus, era a tia Diana! Sabia que ela tinha olhado diferente para ele naquela manhã... mas não era só ela, sentia o olhar de mais uma pessoa... no entanto, não conseguiu ter coragem o suficiente para olhar para o lado e ver quem era.
Na hora do intervalo, as meninas se reuniram em uma roda, pegaram os seus lanches e começaram a compartilhar. Era fácil identificar os muitos murmurinhos falando sobre os novos Cuthbert e como eles eram estranhos. Walter ouviu insultos à sua mãe que quase o fizeram chorar, mas prometeu a si mesmo se segurar. Sua mãe logo se tornaria uma mulher forte e corajosa, a mais guerreira que já havia conhecido.
—Venha, Diana! —chamou Ruby.
—Estou indo! Vamos, Anne?
—Ah não, não! Não chame essa menina estranha para ficar conosco, Diana! —interrompeu Josie.
Diana por um momento se percebeu indecisa e Walter quase sentiu que era sua hora de agir, não poderia deixar sua mãe sofrer, mas ao mesmo tempo... não tinha permissão pra interromper a história.
—Tudo bem, Diana —disse Anne entrecortada por lágrimas prestes a cair. —Vou comer lá fora.
—Como ela é estranha!
—Que cabelo ruivo!
—Que sardas são aquelas? Horríveis!
—E o vestido? Sujo, remendado...
—O pior são esses cabelos vermelhos... tinha mais é que cortá-los...
—Ouvi dizer que ela é órfã! Pobre coitada...
—Como Marilla Cuthbert pôde adotar aquela menina?
—Ah, coitada, Josie... Ela não tem pais como nós...
—E nem deveria ter...Anne sentou-se num tronco forrado por musgos e trevos. Nem um trevo de quatro folhas traria sorte para ela naquele dia, estava arrasada! Atrás dela vinha um menino um tanto quanto bonito. Walter observava de longe, e depois de uns segundos o encarando, percebeu: GILBERT BLYTHE!
—Oi, eu posso... me sentar aqui? —perguntou Gilbert.
—Não... por favor, vai embora! —gritou a ruiva já com lágrimas escorrendo pelos olhos.
—Olha, eu só quero...
—VAI EMBORA, POR FAVOR! ME DEIXA SOZINHA!
—Tudo bem...
A pequena Anne enxugou as lágrimas rapidamente, ajeitou as tranças e bebeu um pouco do leite que tinha trazido na sua garrafa e então sussurou, percebendo que não queria ficar sozinha.
—Espere...
—Sim? —perguntou Gilbert já se virando.
—Adoraria que me fizesse companhia.
Fizeram apresentações e Anne descobriu o nome do menino. Explicou que era órfã, mas tinha sido adotada por Matthew e Marilla Cuthbert recentemente, de forma que tinha uma família que a amava, finalmente. Walter observava os olhares de seu futuro pai, e sendo muito esperto na linguagem corporal, conseguiu perceber que Gilbert mordia o lábio inferior e que suas pernas balançavam o tempo todo em que conversavam. Desconfiava que a primeira faísca havia surgido ali, afinal. Não acreditava muito em amor à primeira vista, apesar de ser um menino demasiadamente romântico. Porém, achava que seu pai já havia começado a criar "algo" por sua querida mãe logo naquele primeiro momento.
Ao fim do intervalo, Anne entrou na sala novamente, suspirando. Estava um pouco mais aliviada, havia feito ao menos uma amizade! E como se estivessem ouvindo seus pensamentos, o grupo das meninas veio em sua direção, com exceção de Diana, que estava no fundo da sala, olhando assustada.
—Escuta, aqui, sua órfã! —urrou Josie. —Você não tem o menor direito de conversar com o Blythe! Olhe a situação da Ruby! —Anne direcionou seu olhar à menina que realmente estava chorando e soluçando. —Ela gosta dele há três anos! Você não pode falar com ele, não pode nem sequer olhar pra ele, nunca mais!
—Eu... eu prometo.
Todas elas saíram. Ruby chorava, Josie bufava de raiva, Tillie e Jane riam e Diana vinha na direção de Anne.
—Venha, Anne. Vamos entrar.
Ao final da aula, os dois voltaram para casa. A única amiga de Anne não estava junto, pois iria ao chá na casa de Josie, o qual os Cuthbert obviamente não haviam sido convidados. Chegando em casa, Anne entrou chorando, aos berros, com passos fortes pelo piso de linóleo.
—Marilla! Foi horrível, Marilla! Foi péssimo! —desabou enquanto abraçava fortemente a senhorita Cuthbert. —Por favor, por favor, não me faça voltar! Eu nunca mais na minha vida voltarei a entrar naquela escola! Nunca mais!
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Take me back - Leve-me de volta
FanfictionCLASSIFICAÇÃO: Livre Além de poeta, Walter Blythe é também um cientista. Em um belo dia, algo dá errado em seu laboratório. Acidentalmente, retorna ao passado, quando seus pais Anne e Gilbert nem namoravam ainda. Porém, interromper a história pode...