Capítulo 16 - Nem tudo são flores

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Era primeiro de janeiro. Um novo ano se iniciava. Walter sempre se sentia nostálgico com a passagem de um ano para o outro, mas naquele dia especificamente, estava mais pensativo do que nunca. Afinal, não é sempre que você passa festas de fim de ano com a sua mãe quando ela ainda é uma criança. O ar estava frio, mas não estava nevando tanto quanto no Natal. A escola de Avonlea já havia retornado com as aulas e quando os alunos descobriram que os exames da Queen's estavam se aproximando, começaram a estudar com afinco, principalmente Anne Shirley e Gilbert Blythe.

—Walter Cuthbert, ora, saia já desses devaneios menino! —falou Marilla, acordando o jovem das suas reflexões. —Você está sempre olhando para o nada!

—Desculpe, senhorita Cuthbert. —diz Walter, que nunca conseguiu chamá-la de "Marilla" pois parecia... estranho.

—Daqui a pouco Anne estará de volta da escola. Estou orgulhosa dela, tenho reparado no quanto ela está se esforçando para os exames da Queen's. Disse até que trará um amigo para estudar com ela e Diana hoje à tarde. —acrescentou sorrindo levemente e saiu do cômodo.

Walter então decidiu fazer um pequeno gesto de carinho para sua mãe. Enquanto andava pelos bosques, percebia o leve calor de um Sol tímido dentre as nuvens. Sabia que naquela época, por ser inverno, não havia muitas flores disponíveis pelos campos e nem mesmo perto da Lagoa das Águas Brilhantes. No entanto, sabia de um lugar no qual poderia encontrar muitas que certamente iriam agradar Anne.

Toc toc toc

—Olá, Walter. Que surpresa te ver! —disse Elizabeth com um doce sorriso nos lábios. A mesma Elizabeth que ajudou o jovem na compra de seus poemas, quando o mesmo precisou de dinheiro para pôr um novo broche de ametista no lugar daquele de Marilla. A mesma Elizabeth de cabelos sedosos e pele corada que o encontrou na Lagoa das Águas Brilhantes. A mesma Elizabeth gentil e companheira que sempre o ajudava. Ela, ela mesma, iria ajudá-lo mais uma vez. —O que te traz aqui? Quer entrar um pouco?

—Olá! Hã... hum... —hesitou, desajeitado. —Eu preciso de um pequeno favor, não vou demorar muito.

—Tudo bem, bobinho. —abafou uma risada. —Entre e conversaremos.

A visita que demoraria uns 20 minutos acabou se estendendo por quase uma hora. Os jovens falaram sobre diversos assuntos cotidianos enquanto bebericavam um chá —o qual Walter não soubera identificar o sabor— que Elizabeth havia preparado para os dois. Depois que saiu, tinha em suas mãos um belo arranjo de flores, que sua amiga havia arrumado com muito carinho, para entregar à sua mãe. Ele percebera que Anne estava ligeiramente mais estressada e ansiosa com todo o assunto dos exames da Queen's, então decidiu fazer esse pequeno agrado à mulher mais especial da sua vida. A mesma mulher que havia cuidado dele quando Walter estava em seu ventre—ela só não sabia disso ainda—, quando era um bebê, um pequeno pedacinho de gente. Então, por que não cuidar dela também?

Já havia passado alguns bons minutos desde que os alunos da escola de Avonlea foram liberados da aula. À essa altura, Anne já estava em casa estudando. Mas Walter não tinha pressa, a natureza estava lá para ser contemplada e ele estava calmo. Estava se sentindo bem. Nada no mundo poderia tirá-lo daquela sensação. Desconfiava que Roy havia criado sentimentos por Anne, mas certamente ela não estava criando nenhum por ele. Já havia escutado um milhão de vezes o quão distantes Anne e Gilbert eram um do outro no início de sua "amizade". Sabia que no final tudo ficaria bem, aliás, já faz uns dias que não se encontrava com Royal. Ele estava fora do caminho.

Quando estava passando próximo à casa dos Lynde, encontrou uma figura familiar e percebeu que era seu —futuro— pai. Como nunca havia conversado muito com Gilbert naquela nova realidade em que se encontrava, resolveu se aproximar dele.

—Olá, Gilbert. —acenou enquanto se aproximava.

—Olá, Walter. —o menino respondeu com um semblante tristonho.

—Aconteceu algo, amigo? —era estranho não poder chamar o próprio pai de "pai".

—Ah, Walter... é o meu pai. Ele não tem andado bem. Está de cama há muitos dias. Insisto em querer faltar as aulas pra estar com ele, mas nós, Blythes, somos muito teimosos às vezes, então eu continuo indo à escola.

E Walter sabia muito bem como eram teimosos.

Mas, bom, não quero entristecer seu dia. Estava mesmo pensando em visitar Green Gables hoje, pois meu pai pediu que buscasse algo com Marilla.

Ambos com as mãos nos bolsos, com olhos profundos tão parecidos, tão fisicamente idênticos, encaravam o mundo ao redor sem conversar sobre muita coisa.

—Walter. —pigarreou Gilbert antes de prosseguir. —Você acha que... acha que eu fiz alguma coisa para Anne? Digo... ela te contou algo? Ela anda muito estranha ultimamente.

—Ah, hm... acho que não. —ele sempre fora péssimo em mentir. —Ela está... muito, sabe... atarefada com os estudos, disse que quer muito estudar na Queen's.

—Eu entendo. —riu timidamente enquanto chutava uma pequena pedra no chão. —Anne é... muito inteligente. E decidida. É um indivíduo apaixonado, certamente. —riu novamente. —Mas ela é... hm... bom, nós até poderíamos...

E então, antes que Gilbert pudesse terminar sua frase, algo havia pegado ambos os jovens de surpresa. Atrás do celeiro de Green Gables, estava uma menina muito ruiva e um rapaz alto com cabelos castanhos. Eles estavam de frente um para o outro. Anne e Roy. Ele pegou as mãos dela e deu um beijo suave, fazendo as covinhas da moça desabrocharem. Numa fração de segundo, colocou uma mecha ruiva dela atrás de sua orelha e se inclinou, um movimento tão rápido mas ao mesmo tempo delicado, um beijo suave para os dois, mas dolorido quem estava ali observando.

Um deles estava repleto de esperança, confiança de que tudo acabaria bem há poucos minutos. O outro, no entanto, eatava à beira de perder o seu pai e, agora, a sua alma gêmea.

Ou seja, tudo estava perdido.

Take me back - Leve-me de volta Onde histórias criam vida. Descubra agora