Capítulo 10 - Tal pai tal filho

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Havia se passado duas semanas desde que Anne decidiu não mais ir à escola. Por isso, Walter decidiu fazer o mesmo, mas o tempo passava e parecia escorrer por suas mãos. Como grãos de areia escapando entre os dedos. Ele ainda não conseguia entender o seu propósito ali, no passado de seus pais, se é que havia algum. Deveria, certo?

Diana passava na casa de Anne todos os dias para entregá-la as lições e ela fazia com afinco e disposição. Walter apreciava a mãe em todos os aspectos desde o dia que se encontraram na estação de trem. Na verdade, ele admirava a mãe em todos os momentos, sendo criança ou adulta. Era incrível com Anne conseguia ser muito forte apesar de ser muito sensível, aliás, se tem uma coisa que ele havia aprendido com ela é que essas duas características não se anulam, e feliz é quem possui ambas.

Certo dia, porém, Diana implorou pra que sua amiga voltasse, disse que as meninas queriam ser amigas dela. Anne relutou muito, mas aceitou quando Walter disse que estaria ao lado dela se algo acontecesse, desafiando as leis do tempo e descumprindo sua promessa a si mesmo de não interferir na história.

Os três chegaram na porta da escola de Avonlea, Anne e Diana de braços dados e Walter logo atrás.

—Senti falta de você do meu lado, Anne. Nenhuma outra colega de classe poderia substituir seu lugar, então a cadeira à minha direita permaneceu vazia durante essas duas semanas.

—Diana, cada dia que passa eu tenho mais e mais certeza que você é minha alma-irmã, minha amiga do peito e será até os fins dos meus dias. Enquanto o sol e a lua existirem.

Diana abriu um sorriso que se estendia de orelha à orelha, demonstrando suas belas covinhas que Anne, de certa forma, invejava na amiga. Admirava Diana e a amava com completa devoção. Logo em seguida, a mesma olhou pra trás, e com os olhos ávidos e curiosos, e ligeiramente apaixonados, encarou Walter, que achou, por um milésimo de segundo, que a —tia— Diana estava dando uma piscadela para ele, mas preferiu pensar que era impressão sua. Seria bem melhor ignorar a possibilidade dela estar se interessando por ele. Nesse instante, porém, não estando muito atenta, tropeçou num galho escondido entre as folhas e caiu de joelhos.

—DIANA!

—Calma, calma! —socorreu Walter. —Diana, está tudo bem?

—Está... só... ai... está doendo!

—Você quer ir à escola mesm...

—SIM! —exclamou Diana com entusiasmo automático e de imediato resolveu demonstrar menos alegria —Sim, sim, se eu não for minha mãe me mata.

Então seguiram os três: Diana mancando com o braço ao redor de Walter e Anne segurando os materiais.
Ao longe, puderam observar Gilbert vindo em direção a eles, com sua boina cinza-escuro, acenando com a cabeça.

Walter entrou com Diana e a porta quase fechou na cara de Anne se não fosse por Gilbert abrindo para a moça, que estava com as mãos ocupadas com livros e lousas.

—Bom dia, Anne!—falou o menino com entusiasmo. —Como é bom te ver! Por que não veio mais à escola?

Anne passou reto em direção à sua mesa, deixando um Gilbert Blythe com as sobrancelhas franzidas e com um ar confuso para trás.

—Senhorita, está tudo bem? —perguntou.

—Eu não posso falar com você. —murmurou Anne.

—O que disse?

Gilbert estava mais confuso ainda. O que havia acontecido com aquela menina? Afinal, por que ela havia sumido por duas semanas? Lembra-se de ter perguntado à Diana o que tinha acontecido, mas ela falara que era apenas um leve resfriado. Bom, Gilbert podia ser bem lento pra compreender certas coisas, mas burro ele não era e sabia que era mentira. Havia alguma coisa de errado com Anne.

—Sentem-se todos! —ordenou o professor Phillips, e começou a escrever no quadro logo em seguida.

Walter abriu seu livro e pegou o giz para começar a copiar na sua lousa, a qual Matthew havia comprado para ele e uma idêntica para Anne. Mas não conseguiu se concentrar muito, pois percebeu que uma pessoa o observava. Não era Diana. Sentiu que era a mesma pessoa da outra vez, e agora precisava saber quem. Virou-se levemente para trás e encontrou uma menina de pele rosada, olhos castanhos e profundos e um cabelo tão loiro que quase parecia branco. Ela abriu um tímido sorriso quando Walter a olhou.

—Ei, cara. —Charlie o chamou cutucando seu ombro. —Ela é muito bonita, eu sei, mas já está comprometida.

—Quem é ela? —interrogou curioso.

—Ela é Prissy Andrews, irmã do Billy e da Jane. Todo mundo acha que ela está saindo com o professor Phillips, mas ainda não temos certeza.

Walter olhou novamente para a moça, mas agora ela já não estava mais prestando atenção nele. Estava trocando bilhetes com as meninas, até que um livro de uma delas caiu no chão fazendo um intenso barulho. O professor para de escrever por um momento e olha para a turma com a sensação de que estão muito dispersos. Ele se vira novamente e várias risadinhas abafadas são emitidas.

—SILÊNCIO! —berrou.

Gilbert, no entanto, era outro que também não estava conseguindo se concentrar na aula, pois estava muito absorto nos seus pensamentos em relação à ruiva. Por que ela estava daquele jeito com ele? Mal dirigiu uma palavra, e quando dirigiu, a voz saiu baixa e fraca de forma que ele não conseguiu entender. Então ele tentou chamá-la.

—Anne —sussurrou. —Ei, Anne.

Anne permaneceu copiando o que estava no quadro. Ela não podia falar com Gilbert Blythe em hipótese alguma! Estava proibida. Ruby gostava dele, ela não poderia nem olhar para ele.

—Anne —continuou.

Como viu que não estava dando certo, ele quebrou um de seus gizes no meio e arremessou na mesa dela. Mesmo assim. Nada. Jogou a outra metade. Nada. Parece que as pessoas em volta estavam ouvindo, mas não quem ele realmente queria. Levantou-se, então, de fininho. Pegou uma maçã que ele iria comer na hora do intervalo, mas resolveu entregar para Anne. Agachou sobre sua mesa e colocou a maçã perto dos livros dela. E em seguida, o maior erro que poderia ter feito:

—Cenouras! Cenouras! —disse enquanto puxava a ponta de uma das tranças da ruiva.

Logo em seguida, o rosto de Anne se transformou quase que da mesma cor de seu cabelo e por ter sido retirada dos seus pensamentos à força por aquele menino insistente, que não entendia o fato de que não podiam ter nenhum contato, lançou-lhe um olhar fulminante e exclamou:

—NÃO ESTOU FALANDO COM VOCÊ! —gritou de forma que a atenção daquele momento fora toda dela. Ruby Gillis a olhou com expressão de espanto, mas com certa admiração, afinal, Gilbert Blythe nunca tinha ido até ela no meio da aula.

—Bom... acabou de falar...

—Senhorita Shirley, o que significa isso? —interrogou o professor Phillips enquanto lhe lançava um dos olhares mais severos que Anne já vira.

—Não foi culpa dela, professor. Eu que comecei. —interrompeu Gilbert.

Walter estava tão assustado que se vissem sua expressão, lhe diriam que estava literalmente e completamente de queixo caído. Já havia ouvido uma história anos atrás que sua mãe batera com uma lousa na cabeça de seu pai, mas viver aquele momento era certamente muito diferente.

—Basta! Anne Shirley, venha até aqui! —ordenou. —Agora!

Anne se levantou da sua cadeira e se dirigiu à frente da sala enquanto o professor Phillips escrevia no quadro: "Ann Shirley tem um mau temperamento. Ann Shirley precisa aprender a se comportar." Ela chorava e emitia pequenos gritinhos, havia dado outra chance pra escola logo hoje! Josie e Jane riam baixinho e Billy e Charlie faziam piadinhas. Gilbert ainda a olhava com admiração e então, Walter pôde perceber sua semelhança absurda com o pai.

Walter entrara num transe —que ele ainda achava que era um sonho— após bater com a cabeça numa mesa, e era por isso que estava ali.
Gilbert entrara no mundo da paixão por Anne a partir daquela lousada, que perduraria até seu coração parar de bater.

Take me back - Leve-me de volta Onde histórias criam vida. Descubra agora