Capítulo I

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Proximidade da Aldeia de Taedis, anos atrás...

Quatro figuras andavam pela superfície coberta de neve. Dois deles iam à frente, um carregava algo embrulhado em um tecido; o outro ficava constantemente olhando em volta, como se quisesse ter certeza de que não estavam sendo seguidos, ele era um caçador; vindo mais atrás estavam uma mulher e uma criança. Todos em silêncio. A criança segurava a mão da mulher com tanta firmeza, que a mesma já estava ficando com os dedos dormentes. O medo que a menina sentia era genuíno. Mesmo que ela ainda não soubesse direito o que era.

- Não acredito que estamos condenando nossa filha a este destino, Moses. - Sussurrou a mulher para o seu marido.

- Não temos escolha Elora. Você ouviu o xamã. Nossa filha é a única que pode fazer isso. Ela nasceu para este momento.

- Mas a pobrezinha está apavorada.

- Então faça alguma coisa, você é a mãe dela.

Elora era uma mulher forte. Todos em Taedis precisavam ser. Afinal, era uma aldeia de caçadores, em um território difícil e hostil. Onde você poderia ser o predador em um dia, mas a presa no outro. Ela tinha que se manter inabalável. Mas, naquele instante, ao ver o quanto sua garotinha tremia de medo, suas forças cederam, e ela se sentiu impotente. Oito anos, ela tinha somente oito anos de idade. Por que colocar um fardo como aquele em ombros tão jovens e frágeis? Não era justo. Porém, necessário. Infelizmente, o senso de dever de Elora era tão grande quanto o seu amor maternal. Em seu interior, ela sabia que precisava ser feito. Era para um bem maior.

- Está com medo? - Ela perguntou a criança, que olhou para sua mãe, mas não respondeu. Não precisava. - Não há nada de errado em ter medo. O medo te deixa alerta. Apenas os estúpidos, não tem medo.

- Não é medo, é que... - Disse a menina. - ... Vai doer mamãe?

Elora então parou e se colocou na altura dos olhos de sua filha.

- Não se preocupe com isso, querida. Vamos estar lá com você. Seu pai e eu.

A menina deu um leve sorriso e se sentiu um pouco mais segura. Uma sensação que durou pouco assim que se deparou com o local onde tudo seria realizado. Um altar de pedra cuidadosamente preparado para aquele momento.

- Coloque-a sobre o altar Moses. - Ordenou o xamã.

Moses, lentamente, pegou a filha em seus braços e se encaminhou até o altar. Ele evitou olhá-la nos olhos, pois sabia que se o fizesse, vacilaria em sua decisão. Mas sentiu sua garotinha o abraçar com força, como se não quisesse mais soltá-lo. Ele a repousou na pedra fria e se afastou. Naquela hora, o medo já tomava conta da menina, que procurava manter o contato visual com seus pais o tempo todo. Em seguida, o xamã se aproximou e recitou algumas palavras, algo parecido com um mantra que acabou por deixar a criança em transe. O que ele estava para fazer necessitava que a menina estivesse totalmente parada.
Após isso, ele retirou o objeto de dentro do tecido, era uma espada de lâmina negra, e a mesma emanava uma aura sombria. Ele a posicionou acima do corpo da menina e recitou as palavras do feitiço. Um magia muito antiga. Então, uma espécie de vórtice se abriu e a espada foi sugada para dentro dele. A criança deu sinais de que começaria a se debater, mas parou.
Aparentemente, as coisas pareciam ter acabado bem. Moses e Elora sorriram aliviados, pois viram que sua filha tinha aberto os olhos, e estava sorrindo também enquanto olhava para eles. Mas, de repente, a menina começou a gritar de dor, e uma escuridão a envolveu. Tudo ficou em trevas, e apenas uma voz surgiu, com um último suspiro.

- Eu te amo Nyra.

Nyra acordou encharcada com seu próprio suor. Vivia tendo aqueles pesadelos. Lembranças. Flashes de um passado que ela queria muito esquecer, mas que insistia em assombrá-la.
Ela vivia em uma cabana na floresta próxima a Aldeia de Prim. Nyra vivia sozinha por opção. Não gostava de ter contato com outras pessoas, e naquele lugar ela tinha tudo o que precisava: casa, comida, isolamento. Ou melhor, quase tudo. Em raros momentos ela ia até a cidade para fazer trocas.
O escambo era uma prática muito comum entre os territórios das Terras Inóspitas. O lugar recebeu esse nome, pois conta-se que um feiticeiro maligno, há muito tempo, antes de morrer, amaldiçoou aquelas terras tornando-as quase todas inférteis, e consequentemente nenhum dos outros reinos se interessou por elas. Aquilo foi bom e ruim ao mesmo tempo. O lado bom foi que as invasões praticamente não aconteciam. O lado ruim foi que aquele território também se tornou altamente atrasado.
A caçadora entrou em uma das casas de troca que conhecia. Ela carregava várias peles de animais consigo, frutos de sua última visita à floresta.

CRÔNICAS DE HALANOR (LIVRO I) - A lâmina do dragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora