Ossos do ofício

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Aquela cabana decrépita acelerava o coração do cirurgião da morte. Depois de ouvir o relato de Chopper, estar apreensivo para o problema que teria que lidar era o mínimo. Sua mente girava com as possibilidades daquela consulta.

Sabia que Vinsmoke Sanji esperava dentro daquela casinha, que teria de confrontá-lo, criando uma situação desconfortável para ambos. Se o cozinheiro não queria contar seus males para o médico do bando, quem era Law para se intrometer?
Repetia para si que só fazia isso pelo futuro do plano e da aliança.

Ver o loiro sentado perto da janela com cara de poucos amigos não suavizou seus questionamentos. Tratou de fechar a porta depois de certificar pela última vez que não havia sido seguido. Foi pedido descrição de sua parte.

Se alocou do outro lado da sala, a mochila e a espada sendo encostadas na parede.  Virou para olhar seu atual paciente.

Nada parecia fora do normal; a mesma postura, o mesmo rosto, o mesmo orgulho desde que começara a convivência. Nem mesmo olheiras apresentava, e estava claramente em seu peso normal, o cigarro ainda não tinha definhado completamente sua carne. O cabelo dourado brilhante podia ser facilmente confundido com o de uma mulher vaidosa. Não havia motivos para suspeitar que Sanji padecia de algum mal.

— Tanuk…

— Eu sei o porquê de você estar aqui — a fumaça subiu, morrendo nos fios loiros, quando disse isso. Na outra parede Law esperava sua deixa. — você veio inspecionar se não tem nada de errado comigo. Eu estou bem. Garanto.

Um sensor dentro do cirurgião apitou. A firmeza que deveria sentir na fala do outro não existia, quase como se uma máscara filtrasse o som da sua voz. Até mesmo podia encontrar exemplos em antigos pacientes que embasavam sua dúvida; todavia ao mesmo tempo sabia que cavucar não era a melhor abordagem. De qualquer forma, apenas fazia seu trabalho e seguiriam seus caminhos.

Pegou primeiro as seringas e foi até Sanji, esse que esperava com o braço esticado à mostra. Não falava muito normalmente, numa situação constrangedora como aquela menos ainda. Agradeceu quando não precisou pedir ou ordenar coisas ao outro, encontrando dificuldade nenhuma em retirar o sangue do cozinheiro.

Exames de sangue e físicos, era tudo que precisava. Porém, assim que colocou os tubos vermelhos na bolsa térmica o cozinheiro se levantou para ir embora. Estupefato, Law apenas sabia olhar para a cabeça baixa do homem. Não pensou direito quando sua mão agarrou o terno negro, puxando o outro para dentro da cabana de novo.

— O que pensa que está fazendo? Não terminamos.

E no mesmo instante se arrependeu do tom de voz que usou. Uma faísca de assombro passou pelo olho azul, seguida por um brilho de raiva. Era desnecessário um atestado de gênio para fazer hipóteses sobre o problema em questão; já tinha atendido pacientes noturnos durante a sua vida pirata em quantidade mais do que suficiente para entender os sinais.

Se sentia estúpido, tanto é que não reagiu quando levou um chute na boca do estômago. A porta batendo pesou em sua consciência. Pelo menos as amostras estavam seguras e não precisaria pedir mais por um bom tempo.

O jantar veio e as duas tripulações estavam animadas. Bepo em especial mantia uma atenção monstruosa nas histórias de Usopp. Até teria se inteirado mais na conversa dos dois se não sentisse borbulhar por dentro a reação de Sanji mais cedo. Law estava em um dilema que retirou a sua concentração por completo.

Vê-lo andar pelos nakamas carregando bandejas abarrotadas de comida com um sorriso no rosto amenizava suas preocupações. Ele até mesmo tinha levado pratos especiais para Law, o seu desgosto por pão não tinha desaparecido da mente do loiro.

Fazia tudo como dançava a rotina de cozinheiro dos chapéus de palha.

O peito do doutor pesava, porque mesmo sem querer estava reparando no que não devia. As mãos de Sanji não encontraram a pele de mais ninguém durante toda a noite e de forma proposital, quase como se fugisse de qualquer toque estrangeiro. Um gato arredio com sua própria família.

Já estava na terceira caneca de bebida. Sua percepção de espaço não condizia com o normal e seus olhos já seguiam caminhos tempestuosos. Não podia negar que o charme daquele desgraçado havia balançado sua base.

Nessa conjuntura, levantou e se despediu de todos indo a caminho do Polar Tang.
Queria um momento sozinho para admirar como Deus adorava jogar bombas sem solução no seu colo. Pensava assim pois sabia a merda em que estava se metendo. Faria tudo conforme o roteiro mas já conhecia a doença.

Respirou fundo, aproveitando a brisa gelada. Não adiantava os problemas de dentro, ainda tinham a pachorra de arranjar mais do lado de fora. Tirar forças de onde não existiam era o único caminho.

Vômito na nucaOnde histórias criam vida. Descubra agora