"Arrependimento de vida é comigo mesmo"

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Os pássaros cantavam animados mesmo com o clima congelante lá fora. O céu estava azul sem uma única nuvem para acompanhar a neve límpida e recém caída. Um dia lindo, mas não refletia os sentimentos de Sanji naquele momento.

— Oi?

— Eu disse que acho melhor a gente parar de se ver – Law respondeu.

O loiro nunca tinha visto o capitão em uma posição tão desconfortável, os ombros caídos e desviando tanto os olhos. Desde que entrou no laboratório do cirurgião, não teve um único vislumbre dos orbes prateados que tanto olhou na noite passada. Nem mesmo as mãos preciosas do médico estavam a salvo de tiques nervosos e ansiosos. Uma tremedeira sem igual acometida ao médico.

Sentia algo errado, mas o pior de tudo não era isso. Era receber um belo pé na bunda de graça, sem nem mesmo poder pedir recurso para o STF.

— Mas por quê? – disse numa idiota tentativa de negociação.

— Eu vou voltar com o Kid – soltou para desespero geral da nação – Não devia ter terminado com ele, muito menos te usar dessa forma.

De costas, Trafalgar tentava arrumar algo para fazer e não olhar na cara do outro. Sabia muito bem o que estava fazendo; era um maldito mestre na arte da auto sabotagem. Porém, sua cabeça não ficaria em paz com a ideia de que estava tirando um bem tão precioso de uma pessoa que merecia muito mais do que ele. Acreditava sim que almas gêmeas existiam, mas também que ele não era um dos escolhidos para esse tipo de benção.

— A aliança ainda continua – continuou numa tentativa de amenizar a situação – só não acho certo continuar com os encontros e as convers…

Sua voz foi cortada pelo estrondo da porta se fechando.

Ainda de pé, ele se segurava na mesa metálica para não desabar em meio às amostras. Precisava ser forte e frio mais uma vez, tocar o baile como se tudo fosse uma brincadeira. Não podia, mas mais do que isso, não queria que Sanji se machucasse de verdade. E, se para que a contenção de danos fosse eficiente ele tivesse que sacrificar seu coração, então que assim fosse.

Pensando bem, ele agora mesmo estava se segurando para não desmoronar na frente do cozinheiro. Portanto, ficava ainda mais claro como seu psicológico era uma zona, como não era estável o suficiente para ser capaz de amar alguém do jeito certo. Quem garantia que ele não ia transformar aquela relação em algo abusivo? Que não repetiria todos os seus traumas e acabasse com a vida do outro da mesma forma que fizeram consigo no passado?

Obrigou-se a ser o adulto que o momento demandava. Depois cuidaria de si, a prioridade era manter o Vinsmoke a salvo do caos que uma relação homoafetiva sempre significou para ele. Um lado da sua cabeça até mesmo aplaudia a decisão – pelo menos assim teria certeza que a dor seria restringida a uma única pessoa.

Mal sabia ele que aquele seria seu maior erro em diversos níveis.



Era a segunda vez que Sanji empacava no mesmo dia.

Dessa vez estava a caminho do navio com sacolas de compras em mãos. Ao pé da escada que o levaria à embarcação, olhava assustado para a sombra sentada sobre a espia presa ao cais. A silhueta familiar enviou arrepios desagradáveis pelo corpo magro.

Um sussurro foi proferido no nevoeiro que cobria a noite, mas o mugiwara não ouviu. Paralisado em frente àquele demônio, tudo o que podia processar eram as várias possibilidades de fuga em caso de ataque. Por Deus, não tinha um minuto de sossego nessa vida.

As memórias mais íntimas e traumáticas da sua vida voltaram em um piscar de olhos, agravando ainda mais a sua conjuntura mental. Todavia, foi o sorriso que terminou de balançar suas estruturas, aquele repuxar de lábios quase meigo, como se o ser a sua frente fosse capaz de entender todas as nuances de terror que transfiguravam sua alma e sentisse muito por isso. Como uma promessa muda de tempos melhores.

Vômito na nucaOnde histórias criam vida. Descubra agora