Animal emocional

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O som irritante do Den Den mushi competia com as ondas para ver quem macetava mais a cabeça de Law. Mesmo tendo acabado de acordar e numa clara ressaca, ele ainda sim não conseguia ignorar o barulho do caracol.

Se arrastando para fora da cama, ele pegou-o a contragosto. Seus membros pareciam de outra pessoa, além de que tentava a todo custo se manter coberto com aquele lençol sujo. Podia ter colocado uma roupa antes de dormir, não apenas desmaiado naquele colchão que nem mesmo era seu, mas era um animal tetudo mesmo.

Atendeu o mais rápido possível. Sua cabeça latejante já tirava a parca consciência e humor matinal que tinha. Por alguns segundos o silêncio reinou na cabine, apenas o ressonar baixinho de Kid tirando a calmaria daquele momento.

— Law?

A voz de quem ele menos queria ouvir ressoou pelo cômodo, reverberando nas paredes e no peito do moreno. Um bolo de ansiedade se formou em sua garganta, o impedindo de responder um murmúrio sequer. Seus olhos estavam fixos no ruivo estirado na cama, as lembranças da noite anterior regada a pecado voltando à tona e como Trafalgar sempre achou fofo como Eustass babava durante o sono.

— Eu só liguei pra lembrar que você não pode pular o almoço hoje. — As palavras de Sanji ecoaram nos ouvidos do moreno; dois sentimentos diferentes sendo alimentados nos corações separados pelo mar. — E pra deixar claro que eu continuo me importando com você.

Um silêncio desconfortável se instalou entre eles.

— Bom — continuou o cozinheiro, um tremendo medo nascendo em seu peito com a falta de resposta. Se estivesse certo, sabia exatamente onde Law estava agora e isso o machucava de certa forma. Porém, dentro do seu ser, uma chama inesperada começava a queimar, uma que carregava a vontade de cuidar daquele médico doente e problemático. Apenas terminou com um:

— Eu tenho que ir agora… Se quiser pode me ligar depois…

Na cozinha do Sunny, o loiro captou o som metálico tal qual o de um cinto sendo colocado. O demasiado farfalhar de roupas afirmava uma parte de suas paranóias, o deixando meio encucado com o comportamento alheio.

"Tchau".

Era o que teria dito se Law não tivesse desligado na sua cara. Mesmo que tenha sido por um ótimo motivo.

Já no Polar Tang, no chão do seu quarto, o Cirurgião da Morte chorava copiosamente. Soluçando, ele se agarrava ao casaco que não teve tempo de colocar. Ajoelhado, se sentia uma criança desesperada, seus planos de vida escorrendo pelos dedos que tanto valorizava.

Em um ímpeto, ele correu até seu banheiro, segurando o vômito durante o caminho até a privada.

Na sua cabeça era inacreditável que estava ali de novo, mais uma vez gorfando bonito depois de uma noite de arrependimentos. Tremia dos pés à cabeça, não só pela expulsão de todas as drogas, tanto lícitas como ilícitas, que usou naquela descarga de irresponsabilidade, mas também numa tentativa idiota de botar aqueles sentimentos para fora. Nenhum ser humano deveria ser passível de passar o que estava passando, até ele sentiu pena de si naquela condição.

Completamente à mercê do destino, apenas aceitava seu papel na ópera da vida. Todavia, bem lá no fundo, ele odiava esse roteiro maldoso.

Mas tinha nojo da sua função como pessoa na Terra. Preso naquela maldita apologia de sala de triagem: nenhum paciente nunca iria receber a cura de suas doenças ali, apenas a usaria como forma de alcançar o que queria, apenas um pedaço do caminho para o que realmente se precisa. E, ao mesmo tempo que nenhum doente seja cuidado da forma correta num ambiente tão simplista quanto a triagem, ninguém tem a obrigação de conferir a situação do responsável por ela. Em outros termos, não passava da história trágica de ex namorados, das lembranças horríveis que pessoas iam acumulando durante a vida. Era apenas a fábula sem final feliz, o aprendizado daquele momento difícil da vida de alguém.

Vômito na nucaOnde histórias criam vida. Descubra agora