Uma noite nada comum

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Era uma noite comum para aqueles que dormiam. Os postes da rua afastavam a escuridão lunar, mas não a escuridão do meu quarto.
As luzes incandescentes passavam através das cortinas arroxeadas. Era mais uma noite de insônia. Apesar de ter tomado meu remédio, eu continuava acordado. Eu tinha 15 anos. Morava com meus pais e minha irmã Yvonne. Sofria de ansiedade e Síndrome do Pânico. Posso dizer que minhas crises de ansiedade eram totalmente descontroladas e que, muitas vezes, fui parar no hospital de tanto que minhas pernas tremiam. Meu psiquiatra havia recomendado alguns remédios, mas, às vezes, eu esquecia de tomá-los.
Certa noite, eu estava acordado e olhando pra cima contando até dez, como sempre fazia. Minha irmã disse que ajudava, mas no meu caso nem sempre. Ela era mais velha e estava quase terminando a faculdade de Direito.
A temperatura do quarto mudou. Ficou frio, mas não era só isso. Parecia estar frio somente em parte de minha cama, pois quando eu rolava para o outro lado, a temperatura voltava ao normal. Eu me cobri com o edredom, mas não parava de suar e fui vencido pelo calor repentino. Escutei alguns sons, como passos molhados. Como se algo molhado tivesse caminhando na direção de minha cama. Então, o barulho cessou. Tudo parou, e um silêncio tomou o lugar me fazendo ouvir meu próprio coração. Não aguentei o misto de medo e ansiedade, então levantei o edredom. Olhei em volta, mas nada vi. Até reparar que na frente da minha cama havia uma silhueta.
O quarto estava muito escuro, mas o contraste dado pela luz entrando pelas cortinas dava uma destaque a figura fantasmagórica. Não consegui ver o rosto, nem com o que se parecia sua face, mas consegui ver perfeitamente que era um homem alto, mais ou menos da minha estatura. O som de água pingando de suas mãos era estridente, pois aquilo misturado ao silêncio era extremamente assustador. Suas mãos eram magras e não paravam de abrir e fechar. Seu rosto era simétrico e ele respirava ofegante, como se estivesse choramingando.
O som da geladeira abrindo pôde ser ouvido do meu quarto, mas a figura já havia sumido.
Um tanto absorto, desci os pequenos degraus que ligavam meu quarto a cozinha, e quando cheguei lá, vi minha irmã de roupão em frente a geladeira aberta.
- O que tá fazendo? - perguntei, esfregando os olhos de sono.
- Procurando o que comer. O jantar do papai foi horrível.
- É, mas a mamãe não tava aqui, então... - respondi, sentando no banco atrás do balcão.
Ela pegou uma tigela de porcelana que ficava na parte de cima do armário, abriu a segunda porta e pegou uma caixa de Sucrilhos. Em seguida, uma caixa de leite.
- Não sei como você gosta dessas coisas. Não tem gosto nenhum.
- Ah, é melhor isso do que ter que comprar a comida da faculdade. Falando nisso, já são 04:30. Acho que nem vou voltar pra cama. - disse ela, enquanto pegava uma colher na gaveta e sentava no banco do outro lado. - Como vai a escola?
- Você sabe. Tem sido um pouco puxado por causa das novas matérias. Física não é nada fácil! - respondi, apoiando a cabeça em cima do meu braço.
- Tem tomado todos os remédios? Você parece estar bem melhor do que antes. Algum efeito colateral?
- Bem... - interrompi quando lembrei do que tinha visto no meu quarto há alguns minutos. - Sim, mas é normal. Os remédios são fortes pra alguém tão fraco.
- Como pode dizer isso? Você aguentou tanto até agora. E eu estou aqui, lembra? - consolou ela, pondo a mão sobre a minha.
Sorri e levantei do banco.
- Bom... Você vai para a faculdade e eu vou voltar para a cama. Só levanto às 06:30. Boa noite!
- Boa noite, maninho. - disse ela, colocando a tigela na pia.
Subi os degraus da pequena escada e abri a porta do quarto. Ele estava escuro como nunca e havia uma sensação de cautela no ar.
- Essas drogas de remédio... - disse, enquanto tirava meu chinelo e subia na cama. Me cobri com o edredom, que estava gélido, e deitei a cabeça no travesseiro. Contei até dez, repetidas vezes, até pegar no sono...

Cortes na AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora