Acordei desnorteado. Não lembrava de quase nada. Estava na cama. Meus pais estavam sentados ao lado dela. Eles disseram que me acharam deitado no gramado, desmaiado. Disseram também que minhas palavras eram algo como "eu", "sangue".
Mas tudo mudou quando eu notei que não estava no meu quarto. Era outro lugar. Era um quarto diferente. O colchão da cama era fino, dava pra sentir. Havia janelas não muito grandes, mas um pouco sujas pois não dava para ver muito bem o outro lado. As paredes eram cinzas e havia um armário no canto. Eu estava vestindo uma camisa de hospital, pois era notável as bolinhas azuis na cor totalmente branca. Ouvia vozes e gritos vindos do corredor e de outros quartos. Eu estava num hospital.- Mãe. Pai. Onde eu estou? - perguntei, aflito, com razão.
Minha mãe começou a chorar e pôs a mão no rosto.
- Fizemos isso para o seu bem, Dário. Você vai melhorar! - meu pai falava, enquanto segurava os ombros da minha mãe.
Tentei levantar da cama, mas meu pai chamou os seguranças e me deitaram de volta, mas dessa vez colocaram duas algemas em minhas mãos, presas nas grades da cama.
Comecei a chorar. Eu estava internado em um manicômio. Eu não estava louco. Eu sei o que eu tinha visto e não queria abrir mão da minha certeza. Comecei a gritar e a me contorcer na cama, como uma forma de comover meus pais. Me perguntava o tempo todo, onde a Yvonne estava. Será que ela havia deixado aquilo acontecer? Ou será que meus pais haviam a convencido de que eu estava alucinando?
Meus pensamentos se esvaíram quando entrou uma mulher no quarto. Ela era uma enfermeira e carregava um crucifixo enorme no pescoço. Seus cabelos não eram muito grandes. Havia alguns fios brancos, mas quase não reparei. Também, eu estava em choque. Seus olhos claros foram em direção aos meus pais.- Como está nosso paciente? - perguntou ela, com as mãos juntas à frente do seu ventre.
- Ele tentou sair agora há pouco. - respondeu um dos seguranças perto da porta.
Ela se aproximou dos meus pais, e cochichou algo no ouvido deles. Meus pais se dirigiram até a porta do quarto. Meu pai nem olhou pra mim, mas minha mãe, com seu rosto encharcado de lágrimas, me encarou até dobrar o corredor nem tanto iluminado.
- O quê? Mãe? Pai? NÃO! NÃO ME DEIXEM AQUI! PELO AMOR DE DEUS! - gritei o mais alto que pude, mas com a voz um pouco rouca por já ter gritado tanto na noite anterior.
A enfermeira andou devagar e sentou na minha cama.
- Olá Dário. Sou Diana Sanders, enfermeira encarregada do seu caso. Quero que me enxergue como sua amiga aqui dentro.
- Onde eu estou? Que lugar é esse? - perguntei, grogue.
- Esse é o sanatório Nova Alvorada. Aqui são tratados vários distúrbios mentais e dos diversos...
- Eu não tenho nenhum distúrbio mental, sua vadia estúpida. Eu estou perfeitamente bem. Você não vê? Agora me tire daqui. Meus pais cometeram um erro. - interrompi, xingando-a.
- Seus pais encontraram você caído no quintal, e sua casa estava em um estado de caos. Você quebrou várias coisas e notamos marcas roxas em seu pescoço. Você tentou se enforcar com suas próprias mãos, Diário!
Fiquei parado por um tempo, olhando para o nada. Até retornar com minha fala:
- Não fui eu. Foram as irmãs Devile!
- Irmãs Devile? - ela riu, e debochou. - Não escuto esses nomes há tanto tempo, mas você sabe que é só uma lenda urbana, não é?
- Elas tentaram me matar ontem, sua acéfala!
- Olhe como fala comigo, mocinho! SEGURANÇAS! - gritou ela, enquanto seus capachos traziam um carrinho com seringas e potes de remédio.
- Suas palavras e atos desrespeitam a palavra de Deus e me causam repulsa. Amanhã começaremos o tratamento com choque! - disse ela, enchendo a seringa com um líquido amarelado.
- O QUÊ? NÃO! VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO! SOCORRO! - gritei, com quase sem nenhuma esperança.
Ela enfiou a agulha em meu braço, o que me deixou dormente e retardo. Minha vista escureceu e comecei a não ver nada, somente vultos. Mas vi quando Sanders saiu do quarto junto com os seguranças, deixando a porta aberta.
- Vai melhorar, Dário. É só se desprender de você mesmo! - ouvi sua voz, perto mas, ao mesmo tempo, longe.
Depois que ela dobrou pela última porta, vi uma pessoa parada no corredor escuro. Não pude ver seu rosto mais uma vez, então já sei de quem se tratava. Era "o homem". Ele estava fixamente olhando para mim. O jeito que sua cabeça e seu peito se moviam, dava pra ver que ele estava rindo. Não dava para ouvir sua gargalhada, possivelmente escandalosa, mas sei que estava rindo de mim, do meu sofrimento.
Comecei a chorar e a gritar, mesmo quase sem voz. E ele ficou ali, por quase 3 horas. Não consegui dormir. Acho que a injeção não me fazia entrar em estado de sono profundo, mas só me deixava grogue e lento demais para exercer qualquer tipo de força sobre qualquer coisa.
Foi ali que eu percebi que aquele iria ser meu inferno pessoal por muito tempo. Era isso que "o homem" queria. Me deixar louco a ponto de me colocar naquela situação. Era tudo arquitetado e milimetricamente calculado. Não sabia como iria aguentar aquele inferno na terra. Só pedia forças a Deus para suportar aquele tormento....
Meses se passaram. Meus pais vinham me ver uma vez por mês, e se viessem. Yvonne nunca veio me ver. Por que? Será que aconteceu alguma coisa com minha irmã? Dúvidas assim rondavam minha mente diariamente. O tratamento com choque começou no dia seguinte a minha chegada. Durou uma semana, mas para mim durou 7 anos. Eles colocavam uma espécie de pino na minha boca, e um "abafador" em minhas orelhas. A sensação era... nem quero falar sobre isso. E sobre o homem... ele aparecia todas as noites depois da Sra Sanders me dopar e sair do quarto. Não tinha mais medo dele. Ele apenas me observava, calado, inocentemente. E pensando bem agora, ele nunca me fez mal. Não fisicamente. Ele nunca me machucou, nem nenhuma coisa do tipo. Ele só me observava, e eu passei a deixar. Os dias passaram a ser cinzas, não via a passagem do tempo. Como se o Nova Alvorada estivesse em cima de uma fenda temporal. Mas o lado menos pior era que toda tarde eles juntavam os pacientes num pátio para ver "A paixão de Cristo". Era o único tempo que eu tinha para raciocinar ou, ao menos, pensar. Assisti tantas vezes aquele filme que cheguei a decorar as falas. Depois do filme, passávamos um tempo no jardim. Eu adorava o verde daquelas flores e das árvores. Aquilo me acalmava. Não sei como podia achar uma dose de calmaria naquele meio de caos e terror, mas achei. Não sei quando vou sair daqui, mas já sinto o beijo de Grace ou o abraço de Yvonne quando chegar.
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Cortes na Alma
HorrorDário é um jovem que sofre de ansiedade e ataques de pânico. Mas tudo só piora quando ele começa a ser assombrado por um espírito coberto de sangue...