Durante nosso período de luto, passei alguns dias indo para a casa de Grace para distrair a mente. Minha mãe ainda estava em choque, mas não tinha tantos ataques como antes. Yvonne havia voltado para ErinsWood e não tinha voltado para casa há alguns dias. Então, éramos só eu e minha mãe.
Mesmo não tendo cabeça o suficiente, voltei aos estudos, mas de forma remota, já que eu teria que recuperar muita coisa. Há algum tempo, eu já estava pensando em uma coisa, que eu já havia dito a Yvonne, mas que precisava falar com minha mãe. Ela estava no quarto, quando bati na porta. Entrei e ela estava deitada, quase dormindo. Sentei na cama, e disse:- Eu gostaria de falar uma coisa com a senhora.
- Pode falar, querido.
- Eu sei que parece um pouco precoce, mas é melhor a gente se mudar.
Ela fez cara de desentendida e pediu para explicar melhor.
- Essa casa é nossa ferida que nunca vai cicatrizar. O papai morreu aqui. Nós passamos nossos piores momentos aqui. E não quero mais ter essas lembranças.
Ela ficou um pouco quieta e depois falou:
- Não podemos nos mudar, Dário. Não permanentemente. Depois que seu pai morreu, ficamos com pouco dinheiro, já que eu também parei de trabalhar. Mas já que você quer tirar uma folga disso tudo, podemos passar alguns dias com a Yvonne em ErinsWood, o que acha?
- Eu acho ótimo, mãe. Vai ser bom para a gente conhecer pessoas novas e lugares novos. - respondi, totalmente aliviado, ao saber que eu ia sair daquela casa do horror.
Ligamos para Yvonne e ela veio nos buscar, logo após arrumarmos nossas coisas. Colocamos as malas no porta-malas e entramos no carro. Ao entrar, olhei uma última vez para a casa e vi alguém na janela. E não foi um vulto ou uma silhueta borrada, mas era alguém parado. E não era só uma pessoa, mas três. Duas mulheres e um homem. Ao vê-los, eu os reconheci daquela noite, a noite que choveu sangue. Era a família Devile. Estavam totalmente parados e expressavam apatia total. Criei coragem e antes de irmos, levantei o dedo do meio e direcionei a eles, que não mudaram nada em suas feições, nos acompanhando com o olhar através da janela.
Chegamos na cidade vizinha, que não era muito longe por sinal, e fomos no apartamento de minha irmã. Era enorme. Lá havia uma sala gigantesca duas vezes maior que a nossa. Nos quartos, havia um fumê azul nas janelas de vidro, dificultando entrada total do sol. A cozinha possuía um balcão tão grande, que alguém poderia dormir em cima dele. Fiquei com o quarto do meio, e minha mãe com o do fim do corredor.
Saímos para tomar milkshake e comer salgadinhos, mesmo com minha mãe dizendo que fazia mal. Não importava. Só queríamos quebrar a rotina que estávamos desde que…- Podemos ir embora? Estou cansada e quero dormir. - minha mãe interrompeu meus pensamentos.
- Claro, mãe. Ah, Dário. Pague com esse dinheiro e peça mais dois hambúrgueres para viagem. - disse ela me entregando uma nota de 20.
Paguei e peguei a comida. Fomos para casa e colocamos minha mãe na cama. Ela tinha mudado tanto. Fisicamente e psicologicamente. Aquela situação não era fácil. Nossa vida mudou completamente em meses. Tudo estava de cabeça para baixo e cabia a nós consertarmos tudo.
Fui para o meu quarto pois também estava morto de sono. Escovei os dentes e, em seguida, deitei na cama. Fiquei alguns minutos olhando para o teto e depois adormeci.
Acordei de madrugada, por volta de 3:15 da manhã, sentindo uma coisa embaixo de meu colchão. Fiquei parado um pouco para sentir melhor, mas havia cessado. Fiquei mais um tempo acordado, quando duas mãos cinzas saíram do colchão, o rasgando. Uma delas tapou a minha boca e a outra segurou em meu braço.
Tentei gritar mas não tinha como. O medo também não deixava. Como aquilo pôde me seguir até outra casa, em outra cidade?
Comecei a ouvir uma voz vir debaixo da cama. Era voz de mulher. E eu reconhecìa aquela voz. Era uma das irmãs Devile. Ouvi aquela voz naquela noite de horror. Ela dizia:"Você é nosso, Dário. Vai fazer parte do escuro, assim como nós. Não é a casa… é você! Nos apegamos a você!"
Tentei me soltar, porém mais mãos apareceram. Mas não eram mãos normais. Dessa vez, pareciam patas enormes, pretas e com unhas gigantes e vermelhas. O colchão estava muito quente. Parecia que havia um fogão embaixo da cama.
Comecei a me lembrar da minha avó, e pensei com dificuldade, o que ela faria numa situação daquela. Ela já teria passado por aquilo antes? Ela já havia me dito que já viu vários demônios.- Dário!
Uma voz doce me chamou a frente da cama. Era minha avó. Ela estava ali. Estava vestida de branco e uma luz irradiava de suas vestes. Ela estendeu a mão pra mim e, com muito esforço, consegui soltar um de meus braços e toquei em sua frágil mão. Levantei e corri para a abrir a porta o mais rápido possível. Olhei para a cama, mas as mãos não estavam mais lá. Somente o colchão totalmente rasgado. Corri para o quarto de Yvonne aos prantos. Levei-a até meu quarto e mostrei o que havia acontecido e contei a história. Ela não brigou comigo, mas ficou chateada pelo colchão novo, agora totalmente mutilado.
Dormi aquela noite com ela, em seu quarto, mas pedi para dormir no chão. Não queria sentir o calor do colchão mais uma vez.
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Cortes na Alma
HorreurDário é um jovem que sofre de ansiedade e ataques de pânico. Mas tudo só piora quando ele começa a ser assombrado por um espírito coberto de sangue...