Depois de voltar para casa, recebi uma mensagem de Grace:
"Estou com saudades. Quer ir ao museu amanhã?"
Respondi que sim, e refleti bastante sobre nossa relação e sobre o quanto estávamos afastados devido aos acontecimentos recentes. Eu gostava muito dela, mas com toda essa correria e essas coisas acontecendo em minha vida, decidi poupá-la dessa loucura. Tomei meu remédio e, depois de deitar, não demorei muito a dormir.
Acordei cedo no outro dia. Vesti um casaco, tomei um pouco de café e ouvi uma buzina de carro. Era Grace na frente da casa.- Oi. Tudo bem? - disse ela, em pé, escorada na porta do carro, enquanto eu me aproximava.
- Tudo sim. Andei um pouco sumido, não acha?
- Muito. Senti sua falta. - disse ela, me abraçando e me beijando em seguida.
- Então, para onde a gente vai mesmo? - perguntei desviando o olhar.
- Bom, eu fiz um cronograma. Hoje é nosso dia! Somente nosso! Primeiro, vamos ao museu. Depois, vamos almoçar num restaurante que eu adoro. E por último, a gente assiste a alguns filmes no cinema da esquina. O que acha?
- Legal. Vai ser ótimo!
- O que está acontecendo, amor? Precisa falar comigo. Você está tão triste de uns dias pra cá.
Olhei para ela com tom de repreensão. Ela sabia que eu já era triste de natureza.
- Anda logo. Estamos perdendo tempo. - disse ela, abrindo a porta do veículo.
O carro não era dela, mas de seu irmão. Ela já era mais velha e tinha carteira. Mesmo sua mãe insistindo que ela não tinha "maturidade suficiente" para dirigir, ela sempre ignorava. Grace era uma mulher com bastante firmeza em suas palavras. Era isso que eu mais amava nela!
- Foi para a casa dos seus avós ontem? Ouvi dizer. - ela interrompeu meus pensamentos.
- Sim, fui! Meu pai me obrigou a ir como se o cheiro das quinquilharias deles fossem melhorar meu ânimo.
Ela parou de falar. Seu olhar apático lhe fazia sentir como se não tivesse mais minha confiança. Afinal, eu não contei sobre tudo que havia acontecido. Desde o homem das sombras até a visita totalmente "peculiar" a casa dos meus avós.
- Você precisa me contar o que está acontecendo, Dário! Parece que você não... confia mais em mim... - ela disse com tom de angústia. Senti pena dela e quis contar tudo o que tinha acontecido. Mas resolvi ignorar essa ideia não tão brilhante.
- Logo mais irei contar, amor. É uma fase bastante complicada e não quero que se preocupe. - respondi, colocando minha mão por cima da marcha do carro, junto a dela.
Chegamos até o museu e esperamos na fila do portão de entrada. Fomos para a sessão de pinturas rupestres e ela virou para mim.
- Vai. Vai logo.
- O quê? - respondi, sem nenhum pingo de entendimento.
- Conte o que está se passando na sua casa.
Olhei para ela e estava me encarando com os braços cruzados. Eu não conseguia suportar aqueles olhos verdes esperando uma resposta. Eu não poderia mentir para ela. Não conseguiria nem se quisesse. Mas resolvi aderir a ideia antes tida.
- Tudo bem. É que... há algumas noites, eu vi alguém parado na frente da minha cama. Ele era alto, da minha altura mais ou menos. Ele estava parado e estava ensopado. Eu sei disso porque vi o líquido escorrer de seus dedos. E aquilo foi tão real, Grace. Quando amanheceu, o mesmo líquido estava no chão do meu quarto. E eu vi ele de novo depois, na garagem, na noite de jogos na sua casa. Mas ninguém acreditou em mim. E, ontem, eu fui para a casa de meus avós e ela me revelou que nós, os Campbell, temos um dom de sabermos as coisas só ao tocar em alguém. Eu sei... que parece loucura, e vou entender se quiser terminar comigo. Tenho muitos problemas pra você.
Ela se aproximou e pegou a minha mão.
- Ei. Nunca mais diga isso. Eu acredito em você. E se acha que tem muitos problemas, divide eles comigo. - ela sorriu com o canto da boca e puxou minha mão pra sessão de esculturas.
Reparei que, à alguns metros de nós, havia uma pessoa bastante familiar. Seu cabelo longo e castanho estava preso por um broche de borboleta. Seu casaco esverdeado e sua calça jeans rasgada nos joelhos me entregaram a identidade. Deixei a mão de Grace e fui até o indivíduo.
- Yvonne! O que tá fazendo aqui? - perguntei, cruzando os braços e tentando controlar minha raiva, embora minha cara fechada já falasse por si.
- Foi mal, Dário. Eu não queria vir, de verdade. Foi o papai. Ele disse para ficar de olho em você. - respondeu, com a cara mais sínica e desconfiada.
- Agora eu preciso de proteção? Por que agora? Porque ele acha que eu vou ter ataques no meio do museu e vou dizer que os ossos de dinossauro estão falando comigo? - baixei o tom de voz quando reparei que Grace logo vinha atrás de mim.
- O que está acontecendo? - perguntou ela, ao meu lado.
- Meus "queridos" pais mandaram a Yvonne aqui pra ser os olhos e ouvidos deles enquanto eu não estou em casa.
- Dário, eu só quero te ajudar. A gente só quer que você fique bem. - respondeu minha irmã, gesticulando com as mãos.
- Sério, Yvonne, vá embora. Eu e o Dário estamos tendo um dia só nosso. Não estrague tudo, tá bom? Se nos importunar de novo, terá mais do que a bronca de seus pais para se preocupar. - retrucou Grace, me puxando pelo braço na direção oposta em que Yvonne estava, com expressão firme (o que eu amava).
Para mim, meu dia já havia acabado ali. O fato de meus pais não confiarem em mim só reforçava o meu desejo de sumir! Eu só queria deitar na minha cama em uma noite qualquer e não acordar nunca mais. Apenas queria ficar lá, na noite, no escuro. Mesmo que eu tivesse que atirar no meu coração de uma vez (por mais que ele já estivesse quase destruído por completo).
A única coisa que ainda me mantinha de pé era Grace. Como eu amava ela! Ela era a pessoa mais doce e mais bondosa que eu havia conhecido. Dava vontade de gritar o nome dela pro mundo, para todos saberem que é dela e somente dela que eu preciso.
A tarde passou ligeiramente. Almoçamos hambúrgueres com fritas na lanchonete do museu mesmo. Fomos ao cinema e assistimos a alguns filmes de ação, mesmo ela tendo dormido no meu ombro em quase todos.
Fomos para casa e vi que meus pais não estavam. Grace se ofereceu para me fazer companhia e eu não recusei. Afinal, ficar sozinho naquela casa era o último item na minha lista.- Senta aí. Eu vou preparar alguma coisa para comer. O que acha de macarrão com queijo?
Antes de responder, ouvi a campainha tocar. Pedi para Grace esperar e fui atender a porta. Não era ninguém. Devia ser só algum moleque pregando peças. Minha vizinhança era cheia deles. Voltei para cozinha e ajudei a preparar o macarrão, quando tocaram novamente a campainha.
Fui atender novamente e não era ninguém de novo. Voltei para a cozinha e depois de algum tempo, sentamos para comer no balcão.O toque da campainha ecoou pela casa mais uma vez. Dessa vez, Grace insistiu em ir comigo.
Quando estávamos no meio da sala, a campainha soou seu toque. Grace se irritou e andou depressa até a porta.- Já chega! - disse ela, abrindo a porta totalmente.
Não havia ninguém lá fora. Mas a campainha tocou novamente, ali, na nossa frente. Mas estava nitidamente claro que não havia ninguém. O silêncio em seguida foi quebrado por batidas estrondosas na porta agora já fechada. Grace chegou mais perto e segurou forte na minha mão. Estava acontecendo de novo. O terror daquela noite era inexplicável. E eu não estava alucinando ou ficando louco. As batidas se repetiram, mas, dessa vez, na porta e em todas as janelas de uma vez. E de novo, e de novo e de novo. Grace se agarrou aos meus braços, e começou a gritar de terror (e eu não a culpo, pois também estava gritando por dentro). Corremos de volta para a cozinha e saímos pela porta de trás. Paramos no meio da rua e Grace disse:
- Acabou! Vamos para minha casa. Não aguento mais ficar aqui.
Entramos no carro e ela pisou fundo no acelerador em direção a sua casa, enquanto deixávamos o convidado indesejado a continuar batendo nas portas e janelas.
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Cortes na Alma
УжасыDário é um jovem que sofre de ansiedade e ataques de pânico. Mas tudo só piora quando ele começa a ser assombrado por um espírito coberto de sangue...