Acordei somente no dia seguinte. Levantei devagar e pus os pés no chão. Alguém bateu na porta.
- Quem é? - perguntei.
- Sou eu. - era Yvonne.
Ela entrou e sentou na cadeira da minha escrivaninha.
- Oi. Sinto muito por ontem à noite. - disse ela, afastando a cadeira para perto da cama.
- Eu que peço desculpas. Estraguei sua formatura.
- Não importa. Enfim, formada! - disse ela, levantando o braço em forma de vitória e rindo em seguida.
Eu sorri com o canto da boca, e perguntei:
- Quando vai se mudar?
Ela ficou quieta e baixou a cabeça.
- Bom, quando o papai achar um bom apartamento para mim em ErinsWood. Estávamos verificando os preços ontem. Mas talvez eu vá daqui há umas duas semanas.
- Vou ficar sozinho com aqueles dois. E vou ficar ainda mais sozinho aqui. O papai trabalha o dia todo, e mamãe passa a maior parte do tempo no escritório ou no Tribunal.
Ela ficou pensativa e levantou da cadeira.
- Eu quero te pedir desculpas... sobre aquele dia no museu. - falei, enquanto baixava a cabeça.
- Ei. - ela pegou em minha mão, em cima da cama. - Eu merecia aquela bronca. Não preciso fazer tudo o que eles mandam. E você não precisa de tanto cuidado assim. - disse ela, depois riu e socou meu ombro como forma de brincar comigo.
- Me desculpa por falar todas aquelas coisas na noite da ventania também.
- Qual é? Eu merecia ouvir aquilo. No fim das contas, eles iriam saber mesmo. - ela respondeu, sorrindo em seguida.
- E se... a gente fizesse uma pequena reunião hoje? - sugeriu ela.
- Como assim? Está falando de uma festa?
- Não, seu bobo. Só uma reunião entre nós e seus amigos. Posso ter crescido, mas eu gosto de uma boa festinha. - ela riu.
- Está bem. Vou chamar a Grace e o pessoal. - respondi, pegando o telefone na cômoda.
- Marca pras 19:00. Nossos pais saem às 18:30, então temos tempo. Nossa, preciso de um remédio, estou de ressaca desde ontem. - disse ela, saindo e fechando a porta.
Mandei mensagem no nosso grupo e marquei a "festa". Aquele seria um dia para tirar uma folga disso tudo, e voltar a ser um adolescente normal. Nossa! Como eu adorava nossas reuniões. Antigamente, a gente costumava ir dormir depois de uma hora da manhã. E hoje eu ando tão afastado deles... Preciso voltar aos meus círculos de amizade. Eles são uma das minhas bases. Não posso deixá-los sair da minha vida também. Não por causa dos meus problemas. Isso era tudo que eu não precisava estragar.
Como não tinha ido para a escola, levantei e fui arrumar algumas coisas que estavam bagunçadas no meu quarto. Havia livros espalhados pelo chão e várias roupas simplesmente jogadas no guarda-roupa. Estava com muita preguiça, mas minha agonia de ver aquela zona falou mais alto. Arrumei a maioria e desci para tomar café.
Minha mãe estava na cozinha.- Que bom que acordou! Quer conversar sobre ontem?
- Depende... o que quer perguntar? - respondi.
Ela pôs o pano de pratos no balcão e caminhou em minha direção. Puxou duas cadeiras para nós dois e sentou.
- Eu sei que viu alguma coisa, Dário. E estou disposta a acreditar em você.
Naquele momento, eu senti confiança na minha mãe. Era uma conversa única. Pela primeira vez, me senti falando com a minha mãe e não com uma ditadora. Fazia tanto tempo que ela não falava com aquela sinceridade na voz...
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Cortes na Alma
HorrorDário é um jovem que sofre de ansiedade e ataques de pânico. Mas tudo só piora quando ele começa a ser assombrado por um espírito coberto de sangue...