GRACE
Quando despertei naquela manhã e saí do quarto, a casa estava silenciosa. Muito silenciosa. Caminhei entre os cômodos procurando sinal das bruxas ou do espírito de fogo, e nada encontrei.
Onde estariam?
Fui até cozinha, e encontrei a mesa posta para o café, aparentemente eles já haviam o tomado. Me sentei ali e comi sozinha, ainda me perguntando onde poderiam ter se enfiado.
Assim que terminei, lavei as louças mesmo sabendo que elas faziam isso com magia, e resolvi sair, a porta dos fundos da cozinha só estava encostada, me coloquei para fora, havia um caminho de pedras ali, um pequeno jardim com banquinhos e uma horta ostensiva ao fundo.
Sorri comigo mesma, pensando que ninguém no Vale das Cinzas imaginaria que a vida nesse lado da floresta, não era nada macabra como acreditavam ser.
Minha mente se voltou para isso, sobre a vida que eu tinha lá, e que em menos de quatro semanas eu estaria naquele navio rumo a França, começaria do zero. Sentiria saudades de Lyra, de ir a biblioteca, e provavelmente das bruxas e dele também. Acho que eu até sentiria saudade da minha irmã e do meu pai, mas não tenho certeza.
Era assustador ter que ir sem muito dinheiro, sem referências ou qualquer experiência para um lugar novo, mas era muito mais assustador: voltar para o vilarejo.
Me sentei em um banquinho, olhando pra horta, eu estava louca pra começar meu trabalho ali, para me sentir um pouco mais útil ao estar vivendo de favor. Doía em mim esse sentimento de ser um peso.
Me levantei e passei pelas cercas desta, nada ali havia sido regado, rúculas e alfaces estavam visivelmente precisando disto. Caminhei pelo lugar avistado uma mangueira amarela e grossa, provavelmente usada pra isso, havia um registro há alguns metros, a água desse lugar pelo que eu sabia, vinha de uma mina, uma nascente no meio da floresta. Logo abri primeiro, antes de pegar a mangueira pesada, e abrir sua torneirinha para a água ser liberada. E o fiz.
Berrei instantaneamente quando a pressão daquela água era em um esguicho tão forte e pontente que a mangueira se movia e dançava sozinha, tentei a segurar de todas as formas, a puxando para o outro lado, sem pensar muito em como conter aquela mangueira maluca. Voltei a puxa-la em outra direção, ela molhou tudo ao redor, tudo mesmo, a soltei no minuto seguinte alarmada, o que não a impediu de me molhar inteira também.
Enquanto eu olhava pra um Damian com cara de poucos amigos, completamente encharcado.
Ele entrou na horta, e eu fui mais rápida para desligar o registro, para não parecer tão tola assim.
Assim que a quase literal, chuva, se cessou, ele estava me encarando fixamente, com a expressão infeliz, os braços cruzados na frente do corpo.
Resolvi que talvez fosse melhor que eu falasse alguma coisa, pois era isso que parecia que ele esperava que eu fizesse.
— Eu não consegui conter a mangueira... — Tentei.
— É. — Soltou respirando fundo, e no segundo seguinte as chamas se fizeram em seu corpo.
Eu o vi fazer isso na noite passada para se secar da brincadeira com Aurin, depois que as belas libélulas voltaram para dentro d'agua.
As chamas se fizeram por seu corpo, eu podia ver sua forma, como se estivesse através dele, o fogo, dei um passo pra trás por instinto.
E como vieram, se foram.
E as roupas em seu corpo estavam completamente secas.
— Não entendo como isso é possível. — Falei, me remexendo desconfortável, pois eu, estava completamente molhada e o vestido fino e verde água da Braeden havia grudado em meu corpo.
E eu notei ele desviar olhar dele, enquanto eu me abraçava, como se fosse evitar esse constrangimento.
— Nem eu. — Resmungou. — Nada aqui tem uma explicação lógica, Grace Orion, achei que já tivesse percebido isso. — Soltou arrastado, olhando nos meus olhos, sempre olhando nos meus olhos.
— É, mas é difícil não... — Comecei, mas interrompi a frase, sem ter ideia do que dizer sobre algo que eu não entendia. Que não havia explicação.
— É difícil não fazer uma bagunça inteira? Se machucar? Se enfiar nas piores situações? — Voltou a perguntar.
A forma como Damian Kingley me via como um desastre ambulante era diferente.
— Também. — Tive que concordar com ele.
Ele sorriu, sem motivo aparente, ele sorriu.
— Posso? — Estendeu a mão para mim, se referindo a minha roupa molhada.
Eu me perguntei primeiro se isso era possível, mas assenti logo em seguida. Sem medo algum.
E o fogo veio até mim, varreu minha pele sem me queimar, eu estava boquiaberta o tempo inteiro, e da mesma forma que a lógica jamais explicaria, secou minhas vestes, e se desfez.
— É mágico! — Soltei dando um sorriso empolgado.
— Pode ter certeza que sim. — Disse, e olhou a nossa volta. — E o que fazia na horta? Achei que fosse do domínio de Braeden..
— Estou um pouco entediada, e queria fazer algo, qualquer coisa, qualquer ajuda, pra não me sentir inútil. E a Chiara disse que eu podia ajudar na horta, que no caso é diferente do sangue, que eu não sei se... — Não terminei, pois ele fez um sinal com a mão para que eu parasse.
— Se concordaram que você ficasse aqui, pode ter certeza que foi gentileza. Uma dia, eu fui Grace Orion, e precisei de abrigo. E elas me salvaram. — Enfim, ele disse algo sobre si.
— Você tem magia no sangue... — O lembrei, evitando tocar em um assunto delicado. Eu não queria o afastar. Queria o conhecer, se ele me deixar chegar mais perto e entender. Eu não conseguia mais ver esse Damian, como um assassino cruel.
— Mas elas jamais fazem coisas, unicamente por fazer. Tudo tem um sentido. Chiara sabe mais do que fala, e provavelmente ela vê um bom motivo para te manter aqui. — Contou, como um segredo.
E isso despertou em mim, uma curiosidade latente. Que motivo teria para me quererem ali?
— Não vejo motivo nenhum. — Falei.
— Eu também não. — Completou, de uma maneira que eu me senti estranhamente indesejada.
— Em poucas semanas estarei em um navio rumo a França. — Falei, para deixa-lo mais aliviado do peso que eu pareci ser para ele.
— E o que tem na França? — Questionou, colocando as mãos nos bolsos da calça, se inclinando levemente para frente, como se estivesse me desafiando a fazer algo. Implicitamente.
— Liberdade. — Respondi. — Ninguém para odiar minha simples existência. — Completei, e ele recuou.
— Espero que dê certo pra você. — Disse de uma forma que eu não sabia se ele estava mesmo me desejando sorte, ou com pena de mim. Eu não queria que ele sentisse pena de mim.
Quando eu ia apenas agradecer, por mera educação, uma Chiara ofegante apareceu na porta dos fundos, e olhou diretamente para Damian, antes de anunciar:
— Ramona acaba de despertar.
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Olá amores, retornei.
O capítulo foi curtinho e dividido em dois, mas logo vem a outra parte. E eu não corrigi, perdão se tiver muitos erros.
Ai ai essa Grace...
A Ramona, líder do clã, despertou, e aparecerá no próximo capítulo, e garanto que ela trará o movimento que a história precisa.
Então, é isso.
beijos
- cris
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O que queima através de nós | LIVRO I
FantasiNo Vale das Cinzas, muito se fala do fogo que tomou em chamas a propriedade dos Kingsley, levando a vida de um casal, pelas mãos do próprio filho, Damian Kingsley. Este, conhecido por sua crueldade, foi exilado, e assim amaldiçoado por forças superi...