I

375 82 108
                                    

Neve.
Era assim que Alejandro Estravados via a capital londrina em janeiro. Neve e nada mais que isso. Levantou a gola do sobretudo surrado enquanto esperava ansiosamente o vagão estacionar na plataforma lotada. Não imaginava como sobreviveria às nuvens de fuligem em contraste com o ar agradável da cidadezinha em que antes vivia, no México.

No entanto, não podia reclamar, afinal, essa era a oportunidade que havia tido para conseguir melhores condições financeiras. Ainda assim, Alejandro era consumido todos os dias pela culpa que vinha de encontro a seu interior em momentos de silêncio, embora o apito dos trens e o burburinho frenético não tornassem o ambiente tão silencioso assim.

"Assassino". Era como todos os chamavam dias antes de ter comunicado à vizinhança que iria para a Inglaterra. Não, não poderia pensar nisso, só o faria se sentir mais culpado. Era como um soco no estômago lembrar que havia deixado a mãe doente a milhares de quilometros de distância sob os cuidados das vizinhas. Parecia que ninguém percebia que apenas fazia isso pela mãe, nem ela própria. "Mamãe disse que você tem tendências criminosas... O que significa isso?". Não, tinha que parar com isso. "Você só pensa em si mesmo, não pensaria duas vezes antes de me deixar aqui para morrer". Cravou as unhas nas palmas das mãos. Quando esfregou-as nas calças de segunda mão, percebeu que ficaram manchadas de sangue.

Com solavancos, o trem parou na estação. As portas se abriram logo após o soar do apito agudo. Sentiu-se como uma criança que se perde da mãe em meio à plataforma lotada de trabalhadores com suas maletas e vestes bem melhores que as suas. Ficou parado por uns segundos tentando se localizar entre a multidão, perguntando-se aonde deveria ir.

— Olhe por onde anda! — gritou um senhor barbudo, colidindo sua maleta com o joelho esquerdo de Alejandro.

— Me desculpe, senhor — mas até esse ponto o homem já tinha adentrado o vagão e o olhava com desdém.

Tomou coragem para tirar os pés do chão e abriu espaço por entre os corpos, como se nadasse contra a correnteza de um rio. Quando chegou às ruas, surpreendeu-se pelo pelo fato do céu não estar nublado, mas sim de uma tonalidade azul esbelta, que o fazia recordar os momentos no México. Como sempre, lembrar-se de sua terra natal alimentava os pensamentos negativos. Se pelo menos pudesse esquecer o passado. Mas isso não era uma alternativa, já que o propósito de toda essa viagem era ajudar a pobre mãe.

Fungou o ar. O que de fato foi uma péssima ideia; o cheiro de poluição era estarrecedor.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ

O ar era gélido e o vento cortante em seu rosto desprotegido. Completamente diferente do clima tropical mexicano com o qual estava acostumado. "Não vou reclamar, não posso" era o que Alejandro pensava, mas a palavra "assassino" em sua mente retardava cada passo que dava.

— Vamos — disse a si mesmo, em direção ao hotel onde passaria o resto de sua estada na Inglaterra. Gostaria de acreditar que a prosperidade caminharia a seu lado, mas temia que seus demônios se erguessem à sua frente no meio da jornada.

O hotel praticamente caía aos pedaços, mas era o que sua renda poderia aguentar por mais alguns meses. A alvenaria da construção despedaçando, teias de aranha que se erguiam à sua frente dependuradas pelo teto todo.

— Boa tarde! — disse o senhor atrás do balcão— Deseja um quarto? Quanto tempo pretende ficar?

— Eu... Ah! Me desculpe, eu... — a vida na cidade era atordoante demais para sequer pensar.

— Não é daqui, hã? — indagou o balconista, que Alejandro percebeu ter um sotaque nada londrino na voz.

— Não, realmente, não estou acostumado com...

— Eu entendo, meu jovem, todo dia as mais variadas pessoas entram nesse buraco com todo tipo de intenção. Não é à toa, — soltou uma risada irônica — esse inferno fica do lado de uma casa de ópio.

Alejandro não tinha notado isso de primeira, não estaba acostumado a ouvir tais expressões embora pudesse pensar o que aquilo significava. De qualquer forma, o linguajar de um hoteleiro como aquele não era o mais convidativo de todos para alguém que talvez precisasse de tanto dinheiro quanto ele. Mesmo assim, não hesitou, afinal, alguns dizem que a sinceridade é a alma do negócio.

— Bom, são cinco meses de estadia, qualquer quarto está ótimo. — sorriu.

— Claro! Podemos acertar as contas no fim do período?

— Certo.

— Maravilhoso. Agora, meu jovem, vou te mostrar seu quarto — disse, manuseando uma chave que indicava o número 32.

O quarto não estava tão acabado quanto a fachada e o vestíbulo de entrada, no entanto, ainda assim se encontrava levemente nal iluminado, mas limpo.

Pelo menos teria um lugar para ficar durante esse tempo, enquanto a neve caía do céu ensolarado bipolar, foi o que pensou. Isso não aconteceria no Mexico. Mas havia de ficar. Por sua mãe.

O Cisne do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora