The Ohio School

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                                                                            Três meses depois...

Somente um celular é o responsável por nos acordar de manhã: o da tia Ana. O aparelho é tão potente que o gargarejo do maldito galo tocando como alarme atravessa as paredes do meu quarto, e se duvidar, de todo bairro. Cubro o rosto com o cobertor e decreto em silêncio que hoje não vou comparecer ao primeiro dia de aula. Meus olhos estão pesados e ainda sonolentos, ou seja, sinto um total de zero vontade de sair da cama.

Depois de cinco minutos sem que ninguém fizesse barulho nas maçanetas dos quartos, tia Ana grita com a voz rouca de sono:

—Lia, vai se atrasar pro primeiro dia.

Emburrada, puxo o lençol para baixo e descubro meus olhos que se abrem alternados, uma piscadela de cada vez até que a luminosidade do dia lá fora, que ultrapassa a cortina fechada, não seja mais um problema. Suspiro de mau humor. Certamente o colégio nem vai notar minha ausência logo no primeiro dia. Ainda deitada, grito:

— Eu não vou hoje.  — Estou determinada a seguir o que digo com convicção e não movo um músculo. 

Tia Ana, nossa atual tutora legal, não agiria com tamanha negligência, ainda mais quando se trata da nossa educação. Ela era bem rigorosa quanto a nossas notas e presença, na verdade é o que a nossa mãe faria. Sem esperar mais, ouço minha porta abrindo bem devagar. Pela fresta, tia Ana aparece apenas com a metade do rosto, dá um suspiro cansado e eu logo a encaro:

— Eu vou te dar cinco minutos para se aprontar. — Ela me olha cansada.

Ao vê-la dando as costas e escutando seus passos descendo as escadas, penso que seria muito fácil fazer birra e sustentar a minha vontade, mas não seria justo com quem largou tudo em Chicago para cuidar de nós em Cleveland. Reconheço que lidar conosco não é uma tarefa fácil, ainda mais comigo.

Num estrondo descuidado, Petter abre a porta do meu quarto como um furacão e vem disparado para debaixo do meu cobertor.

—Levanta, hoje é o primeiro dia de aula, vamos! — Ele me puxa pelos pés.

—Eu não vou hoje pirralho. 

—Ah, Lia, levanta logo. Se a gente for pro colégio, dá pra tomar sorvete depois da aula. Peguei três dólares escondido da caixinha. — Ele pula e agita o colchão nas diversas pedidas enquanto puxa meu braço para cima. — Por favor vamos pro colégio.

Na intenção de acalmar o furacão Petter, o agarro num abraço e logo respondo:

—Tá bom, você venceu.  Vai logo tomar café que eu já desço.

—Eba! — Festeja Petter, que sai correndo com os braços planando como um avião, e por alguns segundos fixo minha atenção nas ações dele.

Às vezes invejo sua inocência infantil que não dá a mínima para os problemas dos adultos. 

Petter havia puxado todos os traços de minha mãe, ele tinha: os olhinhos claros repleto de ternura, era branco feito papel e os cabelos em um tom castanho claro que ele sempre dá um jeito de abarrotar aquele cabelo de gel.

 Já eu, herdei as características do meu pai: olhos azuis expressivos; cabelos lisos castanhos e desalinhados; lábios carnudos e rosados; bochechas cheias e a pele tão pálida quanto neve.

Levanto de uma vez por todas antes que eu me arrependa. Entre passos pesados, consigo chegar até o banheiro na coragem arrastada de uma preguiça, abro a porta, dou de cara com o espelho e me espanto com o que vejo. Nossa, a decência está passando longe! Repuxo meu cabelo e encontro tanto nó que até repenso a possibilidade de poder desembaraçar tudo em alguns minutos. Minhas pálpebras, por mais acordada que eu esteja, caem involuntariamente.

The stormOnde histórias criam vida. Descubra agora