Já em frente de casa, respiro fundo antes de entrar, pego firme na mão de Petter e, ao abrir a porta, dou de cara com ela mesma, só que com uma versão um milhão de vezes mais arrumada, a começar pelo batom vermelho nos lábios; o cabelo escovado, e muito bem maquiada.
- Eita! - Me surpreendo.
— Uau! — Diz Petter, na mesma hora em que eu digo.
Por mais bonita que ela estivesse, a chateação em seu rosto é nítida, e ao olhar-nos tão perto de si, cruza os braços e começa seu sermão:
— Aonde é que vocês estavam?
Petter me olha um tanto assustado me pressionando a dizer algo para aliviar a situação pesada. Definitivamente Petter era um péssimo anfitrião para uma fuga, pois seria o primeiro a dar com a língua nos dentes, mesmo que indiretamente. Eu sabia que de fato Ana não estava brava por termos chegado encardidos da rua, mas sim por estarmos atrasados para o tal jantar, pois eu sabia o quanto a chegada dele mexe com ela.
Ana retruca brava:
— Isso não foi uma pergunta retorica. — Ela esbraveja cruzando os braços.
— Petter sobe e vai se arrumar, eu converso com a ela ok? — Acaricio os cabelos do garoto. Ele corre as escadas como um furacão.
—Quero uma explicação Lia. — Ana cruza seus braços e me fuzila com os olhos.
—Eu levei Petter para passear no parque, e perdemos noção do horário. Me desculpa por não avisar. — Olho para o chão cabisbaixa
Cruzo meus dedos torcendo para que tia Ana caísse em meu melodrama, afinal ela sabia o quanto aquele parque era importante para nós. A única lembrança feliz que eu e meu irmão tínhamos de nossa mãe.
Tia Ana me olha com ternura e puxa o ar cansada, acena com a cabeça e diz:
—Tudo bem querida, suba logo e se apronte.
Não estava em meus planos contar o real motivo que havia feito eu e Petter nos atrasar para aquele maldito jantar, ela provavelmente surtaria e me deixaria de castigo por dias não pelo atraso, mas sim por colocar meu irmão em risco ao invés de seguir meu caminho de volta.
Por uma parte, agradeço a memória de criança do Petter, pois, com a chegada de Martin, é provável que ele esqueça o ocorrido macabro de minutos atrás e se ocupe com as aventuras e histórias parisienses que tanto gosta de ouvir, por outro lado, eu não tenho memória infantil, e tenho certeza que não vou esquecer.
Entro no meu quarto e jogo a mochila de qualquer jeito no chão, corro para o banheiro e me olho no espelho. De frente para o meu reflexo, tento conter o pânico que se mostra em resfôlegos no meu peito, me apoio segurando as bordas da pia branca e quadrada de porcelana.
Fecho os olhos e a primeira cena que vem à tona é o do garoto sentado no capô do mustang, na verdade, são como várias cenas fotográficas tiradas pela minha própria mente, Como uma quebra na sensação dormente que ele me trouxe, de súbito nem consigo lembrar do hálito mentolado misturado com cigarro de Jack tão perto de mim, isso me dá ânsia.
Abro a torneira num jato forte de água e lavo diversas vezes o rosto, arranco as roupas do corpo, ligo o chuveiro em seu nível mais forte e deixo que a água corrente alivie meu estresse. Depois de quase dez minutos, estou pronta para bancar a melhor anfitriã do mundo e receber meu tio que vinha de longe.
Ao descer as escadas, o cheiro que exala e inunda a casa toda é simplesmente terrível, como se alguma coisa tivesse queimado, provavelmente tia Ana teria tentado cozinhar, de certa forma eu não sabia se aquilo me causava medo ou pavor.
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The storm
RomanceLia é uma garota de 17 anos que acaba de perder os pais em um terrível acidente de carro. Ela e seu irmão mais novo Petter passam a morar na mesma casa com a tia, que após o ocorrido se muda as pressas para Ohio. O último ano letivo se inicia e Lia...