Com os olhos abrindo em piscadelas, olho ao redor e, pela iluminação amarelada, tenho certeza que estou na enfermaria. A primeira visão que tenho é da Dona Mirtes de costas remexendo uma maleta de remédios perto de uma maca vazia ao lado da qual estou deitada. Apesar de ser uma senhorinha grisalha com seus setenta e poucos anos de vida, Dona Mirtes adora andar de lá para cá, e é assim desde que entrei nessa escola, me lembro dela exatamente com a mesma face, sempre do mesmo jeito: com sua sagrada farda de enfermeira, sapatinhos de pano, pouquíssimas palavras e muitos remédios.
— Ai, Lia, que bom que acordou. — Diz Susan, alertando também Natan, que estava sentado na poltrona bege ao meu lado rodopiando um caderninho de anotações na palma da mão.
— Como eu vim parar aqui? — Questiono, sentando na maca com cuidado, massageando o galo que se formou atrás da minha cabeça.
— As meninas do segundo encontraram você caída. — Diz Susan olhando para o relógio de pulso.
—Por sorte você acordou Lia, estávamos cogitando a ideia de te levar para o hospital. — Natan levanta da poltrona e caminha até a maca.
—O que houve? — Pergunta Susan, recebendo um esboço de sorriso singelo de Dona Mirtes, enquanto massageia minha mão como se eu estivesse com uma doença em estado terminal.
Como não quero preocupar ninguém, respondo:
— Não foi nada, talvez seja só estresse acumulado, não sei.
—Qual é Lia, desde quando você começou a mentir para nós ? — Susan me olha com desaprovação.
—Não estou mentindo — Baixo o olhar
—Tem literalmente um galo gigantesco na sua cabeça, como se tivesse levado uma surra. — Natan leva sua mão até o galo fazendo meu corpo se estremecer de dor.
—Ta bom, foi a Megan. — Levanto as mãos em redenção
—Aquela... — Susan soca o ar.
—Bom, eu tenho uma noticia que vai te deixar de cabelo em pé . — Diz Natan, todo misterioso, tomando liberdade de se sentar ao meu lado na maca enquanto passa seu braço pelo meu ombro para um abraço de lado.
Dona Mirtes, ao vê-lo fazendo mais peso do que o necessário na maca, enrola uma revista fina e acerta numa intensidade fraca na perna de Natan, que levanta na hora e entende o recado.
—Fale logo. — Cutuco o braço de Natan com meu cotovelo.
Ele dá de ombros para o que Susan diz, revela um sorrisinho forçadamente maldoso e conta:
— Acabo de receber a noticia de que a Megan vai ser auxiliar de cozinha pela semana inteira.
—Ah... é isso? — Reviro o olho
—Achei que ficaria feliz em saber.
— E por que eu ficaria feliz por isso? Quero que Megan se exploda. — Digo, me levantando da maca.
Susan se surpreende na mesma hora em que desfaço da situação de Megan. Ela corre em minha direção, mede a temperatura da minha testa com a costa de sua mão direita e diz para Dona Mirtes:
—O caso dela é sério, a senhora pode separar uma dose do remédio mais forte que tiver por essa maletinha de primeiros socorros.
Retiro a mão de Susan de mim e caio na risada.
—Quem vai ficar feliz mesmo é o time de futebol, não é, Natan? — Brinco, já que quase todo o time de futebol americano arria os quatro pneus por ela. — Só toma cuidado para ela não rouba suas meias. — Susan quase engasga de tanto rir.
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The storm
RomanceLia é uma garota de 17 anos que acaba de perder os pais em um terrível acidente de carro. Ela e seu irmão mais novo Petter passam a morar na mesma casa com a tia, que após o ocorrido se muda as pressas para Ohio. O último ano letivo se inicia e Lia...