Eu não dormi. Tentei, mas foi impossível pregar os olhos. O grande dia havia chegado. Dezoito anos. Eu era dona de mim, e ninguém mais podia me prender. Nem ela...
Acho que a ficha ainda não tinha caído, porque era surreal acreditar que em algumas horas eu sairia sozinha de casa para assistir ao show de Lights in the Night, e pertinho do palco.
Marquei com o Flávio de ele chegar na minha casa às seis e meia da manhã. Como eu não consegui nem tirar um cochilo, quando deu seis horas em ponto, eu levantei e já comecei a me arrumar.
Tomei um banho rápido, passei o meu perfume favorito (que estava quase cheio, porque eu nunca saía, então não usava), e num dia tão especial como esse, coloquei um vestido da melhor cor: lilás. Era um vestido bem básico, mas eu o achava lindo. Devo tê-lo usado uma vez antes. Eu passei tanto tempo em casa só usando moletons e blusas casuais, que colocar um vestido foi quase como um ato de revolucionário para mim naquela ocasião. Quase pronta, me olhei no espelho e achei que faltava alguma coisa... Meu cabelo era sempre o mesmo. Solto e sem graça, nunca com um penteado diferente. E um visual completo pedia um toque no cabelo. Não quis nada extravagante, apenas algo que eu não estivesse acostumada, então, fiz uma trança e a joguei por cima do ombro. Simples, mas perfeito...
Eu via outra pessoa no espelho. Mas ao mesmo tempo, me via cem por cento. Por muito tempo, eu não me vi. Não pude ver qual era a imagem da minha personalidade. Sem liberdade, nunca tive razão para me expressar dessa forma. Até nas pouquíssimas festas que eu fui, minha mãe tinha que aprovar a roupa. Ver aquela imagem no espelho era nada menos que libertador. Definitivamente, eu demoraria para usar calças e casacos de novo.
Na minha mochila, coloquei tudo. Maquiagens, sanduíches, identidade, dinheiro (nem acreditei que a mesada que eu juntei esses anos todos, não seriam em vão), os ingressos, é claro, e o meu boneco do Comissário Quan, que em breve não seria mais meu.
O Flávio foi me visitar na semana anterior, e deixou bem claro que eu não tinha que me preocupar com isso, que não queria tirar de mim algo que eu gostava tanto e me acompanharia somente para me ver feliz. Mas o que é justo, é justo. Ele estava deixando de ir a uma aula importantíssima por mim, e eu cumpro com a minha palavra, prometi o boneco a ele. Eu queria dá-lo no fim do show. Se ele soubesse que eu estava levando o boneco, passaria o dia inteiro me enchendo o saco falando que não queria que eu fizesse isso, mas ele não precisava saber, né? Além do mais, eu já nem me importava. Boneco nenhum me faria falta se eu pudesse ter o Flávio ao meu lado...
Aliás, ele estava demorando. Já havia passado de seis e meia, e nem sinal dele. Assim que eu peguei meu celular para ligar, ele começou a vibrar com uma ligação, mas não era o Flávio. Era o Patrick. Atendi, e ele me pediu para ir até o parapeito do terraço e olhar para o seu quintal.
- Eu só queria te ver e desejar feliz aniversário antes de você embarcar nessa aventura maluca! - Disse ele, ainda ao telefone enquanto nos olhávamos. - Achei melhor ligar porque se eu gritar aqui e a sua mãe acordar, seu plano já era.
- Ah, Patrick... Que bom que consegui ver você pelo menos em alguma hora desse dia. É uma pena que você não possa ir comigo... Eu te convidaria para subir, mas o Flávio já está atrasado, e quanto mais eu enrolar, mais risco eu corro.
- Aproveita esse dia! Você merece tudo isso! E se cuida, porque se você for depender só daquele abobado...
Se o Patrick não soltasse uma farpa ao falar do Flávio, eu não o reconheceria.
Quando desliguei, vi duas chamadas perdidas do Flávio. Corri até o outro lado, e lá estava ele no terreno me esperando junto com o Cam.
- Você demorou! - Tentei gritar o mais baixo possível.
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Um Novo Conto de Rapunzel
Lãng mạnRaquel tem um sonho: ir ao show da sua banda favorita que se apresentará pela primeira vez no Brasil, bem no dia do seu aniversário. Porém, realizá-lo não é tão fácil quando se tem uma mãe rigorosa que nunca lhe deu liberdade, proibindo-a de sair de...