Capítulo 30 - Flávio

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Acordei com a cabeça ainda dolorida. Tudo estava escuro, mas eu conseguia enxergar um pouco, apesar de não fazer ideia de onde estava. Era um lugar estreito, apertado, cheio de gavetas. Algumas coisas estavam penduradas nas paredes, e eu só pude definir o que eram depois de um tempo. Roupas. Muitas roupas. Eu teria me levantado antes para tirar a dúvida, mas eu estava no chão, amarrado. Não estou usando nenhuma figura de linguagem, eu estava amarrado de verdade.

Meus pulsos doíam presos um no outro, enquanto eu tinha uma mordaça na boca, e o corpo inteiro apertado com nós firmes até os pés. No entanto, não fui amarrado por cordas, mas por tecidos. E estavam absurdamente firmes.

Os flashes do que houve antes de eu estar completamente apagado começaram a vir na minha mente. Aquela doida varrida me atacou quando eu ameacei denunciá-la. Lembro que não tive tempo nem de me defender. Foi tudo muito de repente. Mal a vi erguendo a garrafa, já estava caindo e vendo tudo escurecer.

E conforme eu ia lembrando de tudo, a ficha foi caindo. A mulher quis me matar. Ela tentou me tirar do mapa por puro medo de se dar mal. E era óbvio que me amarrou e me trancou nesse lugar que eu estava agora, muito provavelmente um cômodo daquela casa.

Estava preso, amarrado, impossibilitado de fazer qualquer coisa. E admito, com medo. Não esqueci da ameaça com relação à Raquel.

"Ou então, quem vai sofrer as consequências é a sua amiguinha.". Essa frase ecoava na minha mente como se eu realmente a estivesse escutando de novo, juntamente com o sorriso frio e irônico que grudou na minha memória.

A Raquel corria perigo com aquela mulher perigosa, e eu não sabia nem onde ela estava, nem se já tinha de fato sofrido as consequências inocentemente.

Lutei para me levantar, por mais difícil que fosse. Eu não podia ficar ali preso, parado, com a Raquel em perigo, e certamente eu também. Foi bem complicado levantar com os pés amarrados e sem poder me apoiar em nenhum lugar com as mãos, mas me contorci de todas as formas, fui dando um jeito de usar as gavetas como apoio, e consegui.

Fui pulando até o interruptor perto da porta e com o nariz, acendi a luz. Pude definir com mais clareza. Eu estava em um closet. E era maior do que eu estava enxergando, pois apesar de estreito, ele era comprido. Tinha mais gavetas do que as que eu podia ver no escuro, as roupas penduradas não acabavam mais, alguns cabides presos à parede se enfileiravam exibindo uma coleção de echarpes. Acima de tudo, nas duas paredes compridas, tinham prateleiras, todas lotadas também. Além de psicopata, a mulher era uma acumuladora, mas de roupas finas. A Raquel escolheu essa mãe a dedo...

Com a luz agora ligada, vi que os tecidos que me amarravam também eram roupas dela. Mas foi esperta, escolheu roupas de tecidos mais resistentes para isso. Porém, não tão resistentes a ponto de serem impossíveis de se rasgar.

Não vi outra solução. Fitei os cabides de ferro que seguravam as echarpes visivelmente caríssimas. Só eles poderiam me ajudar. Joguei as echarpes no chão com os braços, acidentalmente rasgando algumas - e rindo por dentro imaginando a fúria daquela mulher quando descobrisse - e escolhi um dos cabides para roçar a as roupas que amarravam meus pulsos, na tentativa de rasgá-las. Por serem pontudos e de ferro, imaginei que não seria tão difícil. Pois é, me enganei.

Passei quase quarenta minutos ali me debatendo. Ganhei alguns arranhões e cortes, mas nada disso me fez desistir. Depois de tanto tempo, quase descolando uma bela tendinite, rasguei o tecido que me prendia as mãos. A Glória era maluca, mas bem meticulosa com os nós que dava. Claro, um bom criminoso sempre faz de tudo para que seu crime saia perfeito. Ou quase perfeito...

Um Novo Conto de RapunzelOnde histórias criam vida. Descubra agora