Capítulo 29 - Raquel

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Tudo estava vazio e apagado. A sala, a cozinha, os quartos, - inclusive o dela - um silêncio total, como se não estivesse ninguém em casa. Eu não acreditava que a minha mãe tinha saído, era domingo à noite e ela só sai para resolver coisas sobre o trabalho dela geralmente. Por outro lado, daria para ouvir o arrombamento da porta em qualquer lugar dentro de casa. E com certeza ela teria vindo atrás de mim.

Com um frio na barriga, andei pelos cômodos procurando-a, dando passos leves tentando não fazer nenhum barulho. Tive até a ousadia de entrar no quarto dela (não passei da porta, na verdade), mas nem lá, ela estava. A sensação que eu tinha era de que a qualquer momento minha mãe surgiria da escuridão agarrando o meu braço como fez na noite passada.

Rodei por todos os cômodos, e nada. Ela tinha saído, com certeza. Ou...

Olhei para cima e vi que o último andar, meu quarto, estava com a luz apagada. Ela não tem mania de ficar no escuro, e nem teria porque ficar no meu quarto, - digo, antigo quarto - afinal, ela tinha o dela. Porém, se ela estivesse em casa, era o único lugar onde poderia estar. Será que ouviu o arrombamento e correu lá para cima imaginando ser o primeiro lugar que eu pensaria em ir?

Subi as escadas com cuidado, e realmente, meu quarto estava vazio. Não tinha ninguém deitado na minha cama, e nem em nenhuma outra parte do cômodo. Fiquei aliviada ao ver que tudo continuava do jeito que eu deixei, imaginei que a minha mãe, alterada do jeito que estava, pudesse ter feito algo com as minhas coisas.

O silêncio e a escuridão tomavam conta. Mas não lá fora. Olhando pela porta enorme de vidro, matei a charada instantaneamente. As luzes do terraço estavam todas acesas, e ali pude ver a minha mãe. E não estava sozinha. Estava conversando com alguém. Ou melhor, discutindo com alguém. Precisei chegar mais perto para identificar a pessoa com quem ela brigava, e ao ver a camiseta de personagem de animação, meu coração deu um salto.

Meu Deus, o que o Flávio queria comigo e como havia parado no meu terraço? Tudo bem, não tive como tirar a corda do parapeito quando desci por ela, então ela continuou ali. Mas não dava para crer que depois de tudo o que fez comigo, o Flávio teve a pachorra de subir sem a minha autorização.

Ainda assim achei esquisito a corda ainda estar ali, pois minha mãe a descobriu no dia anterior. Já teria desamarrado há muito tempo.

Foi então que eu olhei para a mão dela e entendi tudo. Reconheci a capa roxa brilhante de longe. Ela segurava o meu celular. E a senha sendo a minha data de aniversário, - ou seja, a senha menos segura do mundo, a maior burrice que eu podia cometer morando com uma doida paranóica - não deve ter sido difícil de descobrir. Ela mesma deve ter chamado o Flávio, lendo as nossas conversas. Não duvido nada que tenha até se passado por mim.

Estando escuro dentro do quarto, não corri muito perigo de ser vista. Quis evitar aparecer, mas não por ela, e sim pelo Flávio. Eu já estava vendo-o sem querer, ter que falar com ele seria demais para mim.

O vidro era um pouco grosso, mas não o bastante para bloquear o som completamente. Eu podia ouvir o que eles falavam, embora fosse baixo e perdendo algumas palavras.

Eu não sabia bem do que estavam falando, mas se não me engano, ouvi o Flávio contando como me conheceu, com a cara de pau de dizer que se apaixonou por mim. A minha mãe, que sempre teve mania de interromper as pessoas, disse que queria que ele falasse logo - não sei o que - e que se ele não falasse, quem sofreria as consequências seria eu. Mal sabia ele que eu já estava sofrendo as consequências. Na verdade, sofria desde que nasci, mas enfim... Me surpreendi com a resposta dele. Além de se impor, que é algo que eu nunca o vi fazer, ele me defendeu. Falou que ela não faria nada comigo. Uma faísca daquele sentimento começou a reaparecer, mas tratei de apagá-la. Ele era um idiota, não gostava de mim, e eu não podia ser feita de trouxa novamente.

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