Capítulo 24 - Flávio

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Entrei em total estado de choque. Não fazia sentido nenhum, será que eu estava ficando louco? O que diabos foi aquilo?

Tentei localizá-la, mas ela saiu andando tão rápido e parece que se enfiou de propósito na multidão. Foi impossível achá-la no meio de milhares de pessoas juntas. Será que havia ido longe? A Raquel não tinha condição nenhuma de ir embora sozinha. Não sabia nem pegar um metrô direito.

Mas o que estava havendo? Parecia que era outra Raquel saindo daquele banheiro. Não entendi uma só palavra do que ela disse. Me acusou de ser cínico, baixo, até jogou o Comissário Quan em mim, como se eu tivesse aceitado aquela ideia maluca dela de ganhar o boneco em troca. Eu mesmo deixei claro várias vezes que não queria boneco nenhum, que estava indo porque queria vê-la feliz.

E o nosso beijo? Que beijo maravilhoso... Senti ali mil vezes mais do que o que eu senti em quase um ano de namoro. E eu nem estava esperando que a possibilidade de nos beijarmos surgisse novamente. Esse ataque de raiva não pode ter sido porque o beijo foi ruim... Ela pareceu ter ficado tão maravilhada quanto eu. Não dava pra entender. Tentei pensar, mas nenhuma peça se encaixava.

Ela acertou o boneco com toda a força do mundo em mim. E eu reclamava dos socos no ombro... Fiquei olhando para o Comissário Quan esperando que talvez ele me desse uma resposta para aquela cena tão aleatória.

Me recuperando um pouco do choque, decidi correr para a rua e tentar alcançá-la na estação de metrô, talvez. Mas não dei nem o primeiro passo, e já parei. Parei inconscientemente. Travei ao escutar a mesma voz que me atormentava a alma desde o começo do ano.

- Para quem não suportava Lights in the Night, você até que se animou bastante para vir, hein?

Sara. Droga! Não era possível. Não tirei o capuz, nem o óculos em nenhum momento. Usava roupas que não eram nada parecidas com as minhas. Era praticamente impossível me reconhecer, a não ser que estivesse perto de mim como a Raquel estava. Foi muito azar meu ou essa praga tinha visão de raio-X?

- Eu não sei o que você quer comigo, mas agora não é uma boa hora. Estou ocupado. - Falei tentando me afastar.

- Vem cá, que roupa é essa? É um personagem alter-ego? - Debochou.

Garota irritante. Com certeza eu sou algum tipo de santo para ter aguentado por tanto tempo.

- Fica tranquilo. - Ela continuou - É óbvio que está ridículo, como tudo o que você veste, mas é um look que ainda tem salvação.

- Como você me reconheceu? - Não consegui segurar a pergunta. - É sério, eu não entendo.

Ela começou a rir alto como quem estivesse me humilhando, e eu só ficava mais irritado.

- Espera um pouco, então, se eu entendi direito, esse disfarce de retardado foi por minha causa? Ah, Flávio, como você é fofo...

Eu tirei o capuz e os óculos constrangido por quem passava perto e escutava a conversa. Uma das coisas que eu mais odiava nessa garota era a capacidade de armar um circo em qualquer situação.

- Se foi isso, você teve bastante azar, querido. Eu vim muito cedo hoje para São Paulo, e no caminho, passei de carro com a Gabriela pela sua rua. Nós moramos perto, se lembra? Vi você na calçada com essa roupa horrorosa ao lado de uma magricela semi-anêmica. Fiquei incrédula, claro, mas jamais pediria para que a Gabriela parasse o carro e atrasasse o nosso passeio só para falar com você. Pensei em te procurar quando voltasse, mas nem precisei. Você apareceu magicamente dentro da arena, no mesmo setor que eu, com a mesma roupa horrorosa e a mesma menina esquisita. A diferença é que colocou um óculos e um capuz. Por um momento até pensei que podia estar vendo coisa, mas pedi à Gabriela que esbarrasse em você de propósito e me confirmasse que era você mesmo. E como ela não é nenhuma tapada, te reconheceu e comprovou que minha mente ainda funciona bem.

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