14. Até as ruínas podemos amar neste lugar

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No domingo, Heidi ajudou Vasti a cozinhar para a mãe como sempre faziam nos dias das mães. Como não sabia cozinhar, a única função que tinha na cozinha era mexer com as carnes e cortar os legumes para a irmã enquanto ela preparava os pratos vegetarianos. Vasti tinha uma alimentação rigorosa e quando cozinhava obrigava todo mundo a seguir a dieta dela.

Não à toa, tinha o abdômen trincado, zero gordura, que às vezes fazia Heidi ter mais consciência a respeito do próprio corpo e até cogitar a possibilidade de se exercitar mais. Por enquanto, o balé parecia ser o suficiente para mantê-la em forma mesmo comendo todas as porcarias que comia.

— Acho que o papai vai chegar daqui a pouco — Vasti disse, adicionando mais tempero no risoto de tomate.

Heidi notou que ela bebeu metade da garrafa de vinho que usou no risoto e parecia muito mais relaxada desde que começaram a preparar o almoço. Pela primeira vez em muitos anos, Heidi quis pular aquela tradição e evitar lidar com Vasti diretamente por mais tempo do que o necessário, mas não conseguiu dizer não quando a irmã surgiu em seu quarto para chamá-la.

— Será que a Petra não se importa do papai passar o dia das mães com a ex- mulher? — Heidi pensou alto, arrependendo-se do questionamento quando Vasti a encarou por alguns instantes.

— Eles namoram não tem nem seis meses — ela respondeu, dando de ombros como se fosse irrelevante.

— Que a gente saiba — murmurou sem a intenção de ser ouvida, mas Vasti ouviu e balançou a cabeça, ignorando o comentário desconfiado.

— Ela que não se meta na nossa tradição.

A comida ficou pronta e foi servida assim que Zilda saiu do quarto às onze e cinquenta da manhã, horário que almoçavam todo domingo. Ela vestia roupas confortáveis e cheirava a sabonete de oliva e alecrim que deixava o cheiro por onde passasse. Heidi sempre amou o cheiro da mãe e achava que combinava com a personalidade de mulher autossuficiente cuja presença era sempre marcante.

Buarque chegou trinta minutos antes e ajudou Vasti a terminar a salada de legumes enquanto Heidi tomava banho e se arrumava para poderem comer. Zilda cumprimentou o ex-marido com a polida distância com a qual estava acostumada, um dos motivos que culminou na separação.

Diferentemente de Zilda, Buarque era um homem de personalidade afetuosa. Gostava de contato humano e precisava da paixão para viver. Precisava estar numa relação que fizesse sentido e que o fizesse, acima de tudo, querer estar em uma. Foi quando percebeu que precisava se separar e buscar novos rumos.

Heidi não podia negar que ressentiu o pai por algum tempo pela separação porque sabia que Zilda ainda o amava, mas precisou entender que ele era a própria pessoa. Que a felicidade fora de uma família também o cabia e esperava que a mãe se encontrasse da mesma forma.

— E o Felipe, já sabe o que quer fazer? — Buarque perguntou. — É importante ter pelo menos uma ideia. Do que ele gosta?

— Carros e mulheres? — Vasti brincou, mas Heidi sentiu um fundo de verdade.

Felipe era um menino que tinha tudo e não parecia muito disposto a entrar numa universidade por conta própria. Heidi até gostava dele, mas achava que Vasti podia escolher melhor com quem se relacionar.

— De verdade? Eu não faço ideia — respondeu por fim. — Alguma engenharia, como todos os meninos.

Heidi preferiu não dizer nada, afinal pouco tinha para contribuir. Não era como se estivessem de bem uma com a outra ainda. Elas conversavam o mínimo e quase sempre por iniciativa de Heidi. Como se pudesse fingir por um instante que estava tudo bem. Que a irmã não a desprezava.

Minha Sina CarolinaOnde histórias criam vida. Descubra agora