19. Além do que se vê

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Os dias que se seguiram foram marcados por um misto de choque e confusão, com perguntas de todos os lados. Naquele mesmo dia, Buarque até tentou arrancar informações sobre o que tinha acontecido, mas Heidi não conseguiu se explicar como deveria, preocupada com a reação dos pais de Carol no íntimo de seu lar. Zilda, por outro lado, contrariando as previsões de Heidi, não disse uma palavra. Se era decepção ou fúria, Heidi nunca soube, mas desconfiava se tratar um pouco dos dois.

Ela chegou a questionar Vasti sobre o desentendimento que ocasionou a ida à diretoria, mas foi rispidamente ignorada pela irmã.

— Não é da sua conta.

— Claro que é — Heidi insistiu. — Você e o Conrado provocaram ela, não foi?

Vasti não respondeu.

Sentada na penteadeira e com AirPods nos ouvidos, ela respondia a caderneta de questões tiradas de vestibulares que o colégio entregava um mês antes das férias. Inabalável, Heidi permaneceu encostada no batente da porta do quarto da irmã, esperando.

— Do mesmo jeito que você não me conta nada, eu também não tenho que te contar. — Vasti finalmente disse, cansada da vigilância incessante da irmã.

— Eu não conto porque nunca sei qual vai ser a sua reação — Heidi se defendeu. — Você faz parecer que eu preciso da sua aprovação para ser quem eu sou, e isso não era um problema real quando eu ainda não sabia, mas agora eu sei e eu não quero a aprovação de ninguém. Então se quer fazer birra por uma coisa que não tem nada a ver com você, paciência.

Ela não esperou por uma resposta antes de dar as costas e ir para o próprio quarto chorar as pitangas em particular. Vasti não merecia vê-la vulnerável, então tomou a decisão de não tornar a insistir em dialogar. Heidi se sentou de frente para a janela, incomodando Cenourinha com suas lamúrias. Estava tão entretida com o gato que não percebeu quando a irmã entrou no quarto.

— Eu tenho uma pergunta — ela disse de repente, assustando Heidi. — Você transou com ela?

— Não é da sua conta — Heidi retorquiu, estarrecida com a intrusão.

Vasti revirou os olhos, sem se deixar afetar com o desaforo da irmã, e então tirou o gato sonolento do assento para ocupar o lugar dele. Cenourinha miou em protesto até ser reposicionado no colo de Vasti, que passou a acariciá-lo atrás das orelhas.

— Deixa de ser rancorosa. — Ela advertiu a irmã, sustentando agora uma nova postura com a rápida pausa que fez entre espiar o gato e conferir a reação de Heidi. — Conversa comigo.

Heidi a encarou com desconfiança, mas Vasti aparentava boa intenção e mente aberta. Ela não sabia o que tinha mudado de um minuto para outro, ainda em dúvida se deveria aceitar o convite.

— Se ela tiver se aproveitado de você...

— Vasti, para. Não — Heidi a interrompeu. — Como você pode dizer uma coisa dessas? Ela é a sua melhor amiga. Não faz o menor sentido que você pense isso dela.

— Da mesma forma que o Conrado também é meu amigo e vocês duas agiram pelas costas dele — retrucou tão rápido quanto uma bala que a atingiu de surpresa. — Eu conheço você e sei que não fez isso com a intenção de atingir o Conrado, mas a Carol eu sei por experiência próprio com os dois que sim.

— Se isso fosse verdade, e eu sei que não é, ela teria feito a mesma coisa com a Rebeca — Heidi argumentou sabidamente, cruzando os braços com certo desaforo no tom de voz.

— Carola e obcecada pelo Conrado do jeito que a Rebeca é? Acho que não — Vasti desconsiderou a ideia com um ar de superioridade que irritou a irmã. — Sem querer ofender, mas você é um alvo fácil, Heidi. E você desabrochou muito bem, diga-se de passagem. Não seria um sacrifício seduzir você e ter que... Bom, você sabe. Fazer coisas que lésbicas fazem.

Minha Sina CarolinaOnde histórias criam vida. Descubra agora