21. Júbilo, memória, noviciado da paixão

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Heidi foi para Minas Gerais e passou os dias mais sossegados na presença serena e reconfortante de seu avô, com quem podia alternar longas conversas sobre Deus e o mundo, e também cultivar o silêncio como duas almas sobrecarregadas com as palavras e os seus sentidos.

Estavam na metade de julho e a fazenda de Geraldo Marçal ganhava vida com as idas e vindas de primas e primos de Heidi. Das três irmãs de sua mãe, apenas de uma Heidi gostava com toda a honestidade de seu coração.

Tia Nana havia deixado a fazenda aos dezoito anos para estudar engenharia no Rio de Janeiro, onde casou e teve os três filhos. De toda a família, era a que melhor compreendia Heidi e a única de quem aceitava os convites para visitar. Tia Nana não se surpreendeu quando viu a aliança no dedo anelar da sobrinha. Para o choque do restante da família, perguntou sem medo de errar quem era a menina de sorte.

Tia Nissa, a mais carola, cujo marido era um pastor de uma igreja famosa e mercenária em Curitiba, tapou o ouvido do filho mais novo e repreendeu a irmã, como se fosse a ofensa mais grave proferida desde que se reuniram para o café da tarde, mas Heidi não se abalou.

Em vez disso, respondeu com a voz firme e a garganta seca:

— O nome dela é Carolina.

Era a primeira vez que constatava seu relacionamento tão abertamente, principalmente na frente de toda a família. Tia Nana sorriu com a notícia, colocou mais chá na xícara e bebericou alegremente enquanto os primos olhavam em choque de rosto em rosto ao redor da mesa.

— Depois eu quero ver uma foto dela.

Heidi assentiu de bom grado e deu graças a Deus que Vasti estava no centro da cidade de Curvelo, ocupada com a prima menos tolerável da família, filha da única tia que permaneceu em Minas Gerais por todos esses anos. Era a única tia que não havia chegado ainda de Belo Horizonte.

— Que bobagem é essa, Zizi? — perguntou a avó, confusa e escandalizada com a informação.

— Né bobagem não, mãe — Zilda respondeu serena, esticando o braço sobre a mesa para pegar o bolo de aipim. — Come um bolinho que já a senhora se acostuma. Já chorei bastante, pedi a Deus por clareza. Não posso fazer mais nada.

— É a Carol Cortez, a loira, amiga da Vasti? — perguntou Isabelle, filha do meio de tia Nissa, cortando a recriminação em andamento da mãe. Heidi confirmou com um aceno e ela assoviou, surpresa. — Os piá eram doidos nela. Que reviravolta.

— E eu não sei? — Heidi bufou, irritada com a competição de antigamente. — Bom, depois de anos sofrendo em silêncio, agora a gente namora. Sério.

Tia Nissa ainda mantinha a boca aberta, horrorizada com a serenidade de Zilda e a naturalidade com que Heidi falava sobre Carol. Em um minuto ela começaria o monólogo sobre tudo o que a religião dela e do marido condenava e Heidi já estava preparada para se levantar e ir atrás do avô em algum lugar da fazenda. Ela não gostava de confrontos.

— Tá vendo só, mãe? Onde já se viu uma invenção de moda dessa — Tia Nissa começou. — Não é à toa que o marido largou. Que mulher boba, fraca. Porque se fosse a minha filha...

— Meu marido me largou e o seu vive metendo chifre em você, Nissa — Zilda interrompeu a irmã, articulada e acostumada com os rompantes de absurdo. — Até filho fora do casamento Pedro arrumou e aposto que é com irmãzinha da igreja. Olha a sua vida antes de falar da minha, e deixe que das minhas filhas cuido eu.

— Larga mão de ser amarga, Nissa — Tia Nana disse. — Zizi separou tem tempo. Foi o primeiro divórcio da família. E daí? A vida segue. Aném. Que chateação.

Minha Sina CarolinaOnde histórias criam vida. Descubra agora