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  A decepção mais comum é não podermos ser nós próprios, mas a forma mais profunda de decepção é escolhermos ser outro antes de nós próprios.”

   Eu estava pensando na frase de  Viktor Frankl, depois de ter feito uma ligação pra minha mãe naquela manhã e de ela ter dito que eu era uma ingrata e que ao fazer amizades com aqueles filhos do capeta — Judie, Jane e Grayson — eu estava jogando no lixo todo o trabalho que ela teve para que eu fosse uma mulher perfeita.

   E aquela frase era exatamente a minha realidade. A decepção de ter que ser sempre perfeita por tanto tempo — por condicionamento da minha mãe —, de ser uma pessoa totalmente diferente na frente de outras pessoas por ter sido criada para agradar os olhos do outros. A decepção que no momento estava crescendo no meu coração por minha mãe querer que eu fosse perfeita e não dizer que eu já era perfeita do meu jeito.

   Aquilo doía muito.

  Mas eu tinha me acostumado em ser estudiosa e em ter sempre tudo planejado — isso me prevenia de muitas coisas.

    Eu e Jane estávamos a caminho do mercado. Ela precisava fazer algumas compras e perguntou se eu podia ir com ela, eu quis saber o motivo dela de não querer sozinha e ela disse que estava encontrando Ray muitas vezes ultimamente em lugares aleatórios e ela jurou que se visse ele mais uma vez com aquela cara de arrependimento — falso — dele, ela iria quebrar a cara dele. E completou que seria mais fácil se controlar comigo do seu lado. Eu ficaria lisonjeada por saber que posso acalma-la quando ela está prestes a explodir, se não estivesse preocupada com a situação atual dela com Ray.    
    Eles precisavam conversar.

    — Hillary! — exclamou uma voz em alto tom me fazendo sair dos meus pensamentos. — Onde diabos você está? Eu estou dizendo que chegamos há quase uma hora, eu já estava prestes a te arrastar pra dentro do supermercado — exagerou Jane me fazendo rir.

    — Ok, desculpa. Eu só estava... pensando em algumas coisas — disse saindo do carro. Ela me lançou um olhar interrogativo e eu balancei um pouco a cabeça.  — Não quero falar sobre isso agora, está bem? — ela assentiu ainda com uma expressão de preocupação e fomos às compras.

    Jane estava comprando alguns legumes, para a sua nova, desnecessária, dieta e depois me pediu para ir no corredor de doces e comprar alguns biscoitos Oreo pra ela. Sim, ela iria fazer dieta durante seis dias da semana e no final de semana se acabaria comendo seus maravilhosos Oreos. Eu ri com sua doidice e fui à procura dos biscoitos.

    Peguei um pacote grande, como ela havia pedido, e fui à seu encontro no caixa do supermercado. No caminho uma pessoa esbarrou em mim e acabei derrubando o pacote no chão.

   — Olhe por onde anda, idiota!
— sibilou a pessoa quando me abaixei pra pegar o pacote. Levantei o olhar e vi a pessoa em minha frente. Era Carly.

    — Desculpa — murmurei, mesmo que a culpa não tivesse sido minha.

    — Olha só... a desastrada é a esquisitona colega de quarto da Jue.
  — disse com desdém me avaliando de cima a baixo.

    — Olha aqui — comecei me irritando. —, essa esquisitona aqui tem nome, e é Hillary. Não me chame assim novamente, com certeza você gosta de ser respeitada assim com eu também gosto. — ela me olhou incrédula e depois com raiva.

   — Quem você pensa que é pra me dizer o que fazer ou não? — disse alto com o dedo riste perto do meu rosto.

    Eu abri a boca pra rebater mas uma voz grave soou me impedindo.

   — Com quem diabos você está brigando agora, idiota? — Grayson apareceu atrás de Carly. — Porra, Carly, dá pra ouvir sua voz irritante lá do corredor de bebidas. — ele percebeu minha presença e franziu o cenho.

   — Você não pode falar comigo desse jeito — Carly o repreendeu exasperada com a voz estridente.

    Grayson ainda me fitava.

   — Oi, Hillary — acenou com a cabeça com um sorrisinho, ignorando totalmente Carly.

   — Oi — eu já estava ficando nervosa e Judie já deveria estar uma pilha de nervos com a minha demora.

   Grayson olhou para o pacote de biscoito que eu segurava fortemente, em minhas mãos.
 
   — Então você gosta de Oreo — olhei para minhas mãos.

   — Ah, não. Esses biscoitos são para uma amiga — sorri fracamente e olhei ao redor.

   — Ah, ela deve estar te esperando, né? Bom, tcha...

  — Vai logo embora, garota — Carly interrompeu Grayson, irritada.

  Grayson fez uma careta de reprovação e ela revirou os olhos.

  — Bom, eu já vou indo — declarei e saí andando — ou praticamente correndo —, ainda conseguindo escutar Grayson discutindo com Carly. Dois loucos.

                               »̥»̥»̥

   — Por quê você demorou tanto? — perguntou Jane quando estávamos em seu pequeno apartamento, guardando as compras. Ela ainda não havia me perguntado nada sobre minha demora no caminho inteiro e eu já estava agradecendo internamente por isso.

    — Uma pessoa esbarrou em mim e eu fiquei presa em uma pequena discussão — omiti algumas partes que não valiam a pena ser contada.

   — Então, tá. — disse simplesmente e depois começou a tagarelar sobre roupas ou coisas do tipo.

   Depois de algumas horas gastas entre conversas e histórias de infância compartilhadas ela me levou de volta ao campus porque eu já estava atrasada para a minha aula de yoga. Sim, eu ainda fazia as aulas mesmo com Grayson sempre fazendo comentários indecentemente ridículos sobre a minha calça de ginástica. De alguma forma as aulas estavam dando resultados, eu não me irritava mais tão facilmente e estava muito mais flexível.

   Pelo que eu sabia, Grayson estava adorando ter como castigo ajudar Megan nas sua aulas de yoga. Megan pedia, quase sempre, pra ele ajudar algumas meninas no movimentos. Sempre tinham meninas pedindo a cada minuto ajuda pra ele e aquilo era ridículo, elas só queriam ter as mãos dele em seu corpo. Eu nunca havia perdido ajuda a ele e Megan também não pedia pra ele me ajudar, eu já tinha sentido aquelas mãos antes e não precisava ficar desnorteada no meio de tanta gente. Corei com lembranças.

                              »̥»̥»̥

    — Bom, hoje vamos passar a fazer mais movimentos difíceis, queridas
— começou Megan assim que todas já estavam posicionadas em seus lugares. — Se estiver ruim pra fazer é só dizer, ok? — todas assentimos. Eu com certeza teria dificuldades.

    — Onde está o Grayson?
— perguntou uma loira atrás de mim.

    Megan bufou ao ouvir o nome dele.

   — Ele me ligou avisando que se atrasaria um pouco — respondeu ela.
— Aquele garoto vai se ver comigo. — gruniu e eu ri baixinho. Grayson realmente iria se dar mal com Megan.

    — Então, vamos começar. — disse Megan entusiasmada.

  
  

O DESPERTAR (Livro 1) || PARADAOnde histórias criam vida. Descubra agora