Os corvos de Kaytru ― frustrados por seu chefe não permitir que usufruíssem da festa que acontecia na ilha―, descarregavam seus estandartes e armas para dentro do galeão. Thuran observava de fora, ao lado de Aaron e seu aliado de poucas palavras, enquanto seus subordinados subiam a imensa rampa de madeira com seus equipamentos.
Um deles esbarrou com força em Thuran ao carregar uma das peças de aço do estandarte.
― Olhe por onde anda, seu imbecil! ― Esbravejou o líder.
Abidalha sorriu discretamente.
― E qual era seu precioso conselho, Thuran? Pode dizer agora ― pontuou Aaron Khan.
― Acredito que você já saiba o conteúdo da carta, não é mesmo? Por isso não fez questão de abri-la.
Aaron com seus trejeitos cômicos balançou a cabeça e ergueu a sobrancelha.
― Creio que sim, vocês pretendem ir ao Ponto Zero, pensam que podem trazer aquela coisa ao mundo dos vivos ou algo assim...
― Errado. Nós temos certeza que podemos e você sabe disso! ― Esbravejou Thuran, perdendo um pouco de sua postura.
― Seja como for, os Homens Livres não vão permitir. Eu lhe dou minha palavra.
Dessa vez quem sorriu foi Thuran.
― Se vocês não se matarem antes...
― Ainda estou esperando o conselho, não sabia que você era do tipo que gostava de protelar com indagações vazias.
Outro dos homens esbarrou com força em seu mestre, como se o homem não estivesse a sua frente.
― Diabos! Qual é o problema de vocês? ― Gritou uma segunda vez, e se voltou para Aaron novamente. ― O mundo mudará de mãos no jogo dos Deuses, Khan. Sinta os ventos da mudança, a ridícula aliança de vocês não consegue conter nem os Filhos dos Deuses, ela carece de um líder, um unificador. Eles não querem você, mas a Ressurreição pode aceitar sua rendição, com sorte poderá poupar seu pescoço e de seus descendentes...
Uma terceira vez, dois homens o acertaram em cheio, e Thuran foi ao encontro do chão. Furioso, o líder dos corvos sacou uma espada e apontou na direção dos subordinados.
― Enlouqueceram de vez! Vou matar cada um de vocês!
Todavia, os homens nem sequer olharam em sua direção e subiram ao convés com o equipamento.
― O que raios está acontecendo aqui? Pelos Deuses! ― Berrou Thuran.
Aaron começou a rir.
― Você ainda não entendeu? Eles não o enxergam, não podem vê-lo.
― O... o quê? ― Questionou perplexo.
― Eu implantei uma ideia na mente deles, eles acreditam que você já está a bordo. Todos eles pensam que você está lá em cima, na sua cabine. Sua presença aqui é como um fantasma ― o olhar de Aaron ganhou seriedade enquanto explicava.
― Como você fez... como isso pode... São vinte pessoas!
― Na verdade são vinte e um. Estou na sua mente também, meu jovem. Se ajoelhe por favor...
Thuran pela primeira vez em toda sua vida, perdeu o controle do corpo. Sem que permitisse os joelhos foram ao encontro da areia da praia.
― Isso é Regência?
― Por favor, Thuran. Não se humilhe com tanta ignorância. Regência não funcionaria em você, é uma técnica simplista demais que o usuário mapeia os sensores de movimento do corpo do adversário e limita suas ações. O que estou fazendo é muito mais elegante, eu controlo seu cérebro. Quando você perdeu a sanidade para atacar meu sobrinho, eu implantei em você esse controle.
― Isso não existe... Ninguém é capaz de fazer algo assim...
Aaron se agachou na frente dele, e da mesma forma que Thuran fizera com Handriak ele segurou seu rosto.
― Da próxima vez, tome cuidado com quem você provoca. Você realmente pensou que pisaria nestas terras com homens armados, falando asneiras revoltosas e ameaçando a minha família? Colocando mentiras na cabeça do meu sobrinho sobre a mãe dele...
― Como você escutou isso? Você não estava lá...
― Já disse, seu tolo. Seu cérebro é minha casa agora.
Thuran desesperado tentava se mover com todas as técnicas aprendidas ao longo da vida, porém com Aaron em sua mente ele não podia fazer nada.
― Sabe de uma coisa... Em outros tempos existiam uma série de leis nessa ilha, todas impostas pela família Amirth, entende? Me recordo agora que nenhuma delas foi oficialmente revogada por mim. Uma delas se encaixa muito bem na nossa atual situação... ― Aaron se voltou para Abidalha que estava de braços cruzados. ― Qual era mesmo a lei para ameaças externas da família Amirth?
― "...Todo homem ou mulher que aportar na ilha com armas e intenção de intimidar o governante destas terras terá uma parte do corpo extirpada e será expulso com veemência." ― Abidalha pontuou com seriedade no olhar.
― Sim, exato! Obrigado, meu amigo. Era exatamente isso, uma parte do corpo é arrancada do invasor. Lembro-me que o culpado podia escolher a parte... Se não me engano era: uma mão, um pé ou um dos olhos...
― Um dos olhos? ― Perguntou Thuran assustado, sem entender o que estava acontecendo.
― Excelente escolha ― disse Aaron com um sorriso terrível na face.
Um grito de dor tenebroso ecoou pela praia da ilha de Khan, enquanto um homem recebia um castigo antigo, sua tripulação arrumava a embarcação e as pessoas na cidade bebiam e comemoravam por toda parte.
AQUELE ERA O DIA DA VITÓRIA.
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TRÍADE - Filhos dos Deuses
Fantasy(Uma história de Alta Fantasia) Duas décadas após o fim da Era Varuniana, os habitantes do continente de Chakran tentam lidar com a presença constante das criaturas que caem dos céus, Os Filhos dos Deuses, contudo o embate entre a Ordem dos Homens L...