- Mas isto é... - Regina disse saltando para trás diante do corvo, que agora caminhava sobre a cômoda e a interrompeu:
- Impossível é apenas uma palavra para mim, minha querida. Sempre foi!
- De fato! - Griphyus disse se abaixando sobre suas patas dianteiras e reverenciando ao corvo que disse:
- Isto não é mais necessário, caro amigo. Tua nova rainha agora está diante de teus olhos.
- Papai, mas... - Regina sussurou perplexa. - Como?
- A magia corre por nossas veias há muitas gerações minha filha, porém ela tem um alto preço.
- O que quer dizer? - a princesa questionou atônita e ainda incrédula.
- Com a ascenção da Igreja ficamos cada vez mais privados de usá-la, pois segundo os nobres, magos e sábios de nosso reino seria prudente deixar que apenas eles fizessem uso das artes mágicas, pois assim evitaríamos muitos malefícios e desavenças com outros reinos aliados.
- Mas, meu pai. Esta tal religião não deveria ser algo capaz de unir os povos, assim como os povos à Deus? - Regina indagou caminhando pelo seu quarto enorme. - Por que tenho notado certa repressão cada vez mais notória, quanto ao uso de habilidades especiais, e até mesmo à presença de seres mágicos, nos reinos onde ela tem total influência?
- Ouvir os conselhos dos magos, e dar-lhes poder, assim como ao clero certamente foi um grande e irreparável erro. - murmurou o corvo.
- Um erro? - Regina e Griphyus já indagavam, quando o pássaro treplicou:
- Ainda te lembras de minha última vontade, filha? - o Rei Henry, agora um corvo, perguntou saltando, planando pelo quarto e pousando no braço da princesa.
- O senhor, não a disse a tempo. - Griphyus interveio, relembrando ao antigo rei do que ele não teve a oportunidade de dizer, pouco antes de falecer nos braços da princesa Regina.
- Pois agora eu a revelarei.
- Realmente és o meu pai? - Regina perguntou outra vez e o corvo disse:
- Seguiste as instruções na caixa de música deixada por tua mãe?
- Eu... - A princesa murmurou, e o grifo falou por ela:
- Ela seguiu, milorde. Levamos até a forja e a caixa transformou-se numa chave feita de ouro maciço.
- Meu pai, houve também numa voz. Uma voz que disse "A chave que abre todas as portas agora está às mãos da mais bela de todas. Encontrai o tesouro ocultado em meio a valiosos despojos guardados." Faz algum sentido?
- Ouvistes uma voz a dizer estas cousas?
- Sim, eu ouvi, pouco antes desta chave... - Regina disse pegando a chave numa grande gaveta ali perto e mostrando ao corvo. - Surgir dentro da forja.
- Curioso! - o corvo disse, enquanto a princesa se sentava em sua cama enorme.
- A última parte da frase que disseste, menciona nada menos que a Sala do Tesouro Real.
Chave nenhuma pode abrir aquela sala a não ser a que eu e tua mãe possuíamos e que agora...
- Certamente está em poder de Lorde Urgannus, - Griphyus interrompeu. - o chefe do Conselho dos Magos.
- Aquela estranha voz me disse que esta é "a chave que abre todas as portas", não é? - Regina diz sorrindo.
- De fato! - o rei, na forma de corvo disse voando até um grande piano que havia no quarto, e pousando sobre ele prosseguiu:
- Porém seu pai está aqui, não é?
- Confesso-lhe, que ainda estou tão pasma, quanto feliz e incrédula, meu pai! - Regina exclamou olhando para o corvo à sua frente.
- Também estranhei esta minha habilidade quando a usei pela primeira vez, mas ela foi extremamente útil para que eu soubesse da traição dos magos que há muitos anos ocorria bem debaixo de meu nariz.
- Traição, meu rei? - Griphyus questionou espantado, e o corvo prosseguiu:
- Sim, caro Griphyus e a serpente deste jardim é justamente o Mago Urgannus.
Em minhas escapadas; às madrugadas nesta mesma forma, observei-os por muitas e muitas vezes enquanto aquele meu antigo corpo jazia nos aposentos reais.
- Mas o que houve com minha mãe afinal? - Regina exigiu respostas. - Se ela também possuía poderes, porque não pôde salvar-se a si mesma daqueles escombros?
- Cora até conjurou um poderoso feitiço que salvou a todos, mas custou-lhe a própria vida pois ficou fraca demais sob uma grande pilastra que, certamente derrubada pela queda daquele navio voador à deriva, ainda caía sobre ela, por trás duma grande nuvem de poeira. - o corvo contava enquanto o ambiente mudava magicamente ao redor de Regina e suas palavras ganhavam vida.
- Os magos a levaram a um esconderijo de poderosos druidas, onde lutaram para reanimá-la, porém não houve resposta. A alma de sua mãe já estava distante nos planos espirituais.
Dois magos, que chamados às pressas vieram através de um portal do Egito, ainda invocaram o próprio deus Anúbis, numa última tentativa de negociar uma intervenção com divindades de outros planos espirituais, porém a própria entidade disse qu apesar da extensão de seu poder, nada mais podia ser feito.- Então, mamãe perdeu a própria vida para salvar nosso povo! - A princesa disse indo às lágrimas, quando o corvo pousou sobre o piano e a chamando para perto, disse olhando bem dentro de seus olhos:
- Todavia, após a morte de tua mãe, dia a dia, aquele antigo corpo foi envenenado, para que eu fosse morto, lentamente e sem sentir qualquer dor.
- O que disse? - Regina gritou sentindo um ódio que jamais sentira invadir-lhe o ser.
- Foi o que ouvistes. - o rei em forma de ave prosseguiu: - E o Conselho dos Magos planeja fazer-te o mesmo, filha amada. Isto é o que eles têm planejado. Se não fora este poder a mim concedido ao coabitar pela primeira vez com tua mãe, eu jamais teria a chance de revelar-vos minha derradeira vontade!
- Como eles o envenenaram, meu pai? - Regina indagou perplexa, e o corvo ainda explicava como os copeiros e muitos outros serviçais foram mentalmente manipulados através de magia, para que o rei e a rainha se alimentassem com comidas e bebidas enfeitiçadas, durante muitos e muitos anos, quando seus olhos brilharam, semelhantemente ao ocorrido na forja dos cavaleiros do reino.
- Mas como percebestes e não impedistes, o que vos faziam? - A princesa gritou quase perdendo o controle de suas emoções, mas o corvo se aproximou e pediu para que ela sentasse e se achegasse até que suas cabeças se tocaram.
- Percebemos tarde demais. Nossos corpos humanos estavam sob o controle de Urgannus, caso tentássemos algo, ele nos destruiria. Então decidimos atrasá-los.
Enquanto viva; sua mãe ainda usava magia para enganá-los e reverter muitos de seus feitiços contra nós, porém após a morte dela, tive de encarar o inevitável, mas não sem lutar, e esta foi a forma que encontrei para me vingar, ainda que morto aos olhos de todos eles!
- Mas porque aceitaste isto, todo este tempo? - Regina gritou, quando o piano vibrou, e em seguida partiu-se ao meio,
- Alteza! - Griphyus implorou preocupado, quando o quarto inteiro vibrou. - Acalme-se, ou chamarás atenção indevida.
- Contenha-se, minha filha. - o corvo disse ruflando as asas para se manter no ar. - Ouça minhas asas, concentre-se na minha voz!
- Porque permitiste isto... - Regina disse fechando os olhos brilhantes por alguns instantes até que eles voltaram ao normal, porém cheios de lágrimas. - Meu pai?
- Pelo bem de meu povo, e de minha única filha! - o corvo disse pousando sobre um pedaço do piano, ao lado de Regina que havia se deitado no chão entre as duas bandas do instrumento sobrenaturalmente partido ao meio, enquanto olhava para os lustres no teto de seu aposento.
- Tua mãe e eu, juramos que não daríamos àqueles malditos abutres o prazer de tomar o poder, então...
- Jogaram o jogo deles! - Griphyus murmurou enquanto algumas lágrimas corriam de seus olhos.Alguns segundos de silêncio imperaram no lugar, quando criados e soldados aparentemente preocupados com o bem-estar da princesa gritaram batendo às portas, porém o corvo alertou:
- Estamos trancados aqui.
- Como? - Griphyus e Regina questionaram, e o pássaro revelou:
- Escondido sob os panos da gaiola onde me colocastes, eu os vi discutirem aqui mesmo onde estamos, sobre como a trancafiariam nestes aposentos, pouco antes de voltares lá da forja!
- Malditos sejam! - Regina rosnou levantando-se, e cerrando os punhos, proclamou:
- Seja qual for tua derradeira vontade, meu pai. Considerá-la-ei um ultimato. Revelai-a, e a farei, incontinênti!
- Sim, minha filha, certamente estás pronta a assumir nosso legado. - o corvo disse olhando bem nos olhos verdes da princesa. - Agora ouça minha derradeira vontade:
- Sim, meu pai! - Regina disse já de pé e de frente para as portas do quarto que agora eram golpeadas pelos soldados que chamavam por ela, graças aos gritos e estrondos, quando o corvo concluiu pousando sobre seu ombro esquerdo e falando-lhe ao ouvido:
- Destrua o Conselho dos Magos. Mate todos! Que a tua espada não poupe um deles, sequer!
Com o corvo em seu ombro, mesmo trajando um pequeno vestido de tecido leve, Regina já apanhava uma grande espada, e enquanto seu grifo se aproximava por trás dela, abrindo as asas em posição de ataque, dezenas de cavaleiros de armaduras cintilantes irromperam pelas portas, que arrombadas por eles já caíam ao chão.
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[ UDG/F2 ] ORIGENS. Antes do "Espelho, Espelho Meu"
RomancePorque ser apenas a "Mais Bela" quando se pode ser a "Mais Poderosa?" " Forçada a fugir de inimigos que fazem parte duma terrível tramóia para usurpar seu reino, uma jovem princesa orfã encontra um estranho espelho mágico, através do qual atravessa...