Nevoeiro

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Era uma parte pacata do vilarejo, ficava próxima à floresta e era a primeira porção de terra do reino a receber os primeiro raios solares das manhãs. Assim Juyeon achava que ele era o primeiro homem a acordar em todo o reino — ele levantava e o dia ainda era frio, ele colocava a água do banho de sua mãe para esquentar e passava a cuidar da horta e dos poucos animais do viveiro. Era um rapaz jovem e forte, tinha cabelos escuros que ficavam, muitas vezes, amarrados enquanto as mãos firmes um pouco calejadas trabalhavam. Juyeon estaria na idade de curtir a vida inconsequentemente, ir às tavernas e retribuir os flertes das moças do vilarejo, mas sua rotina já não permitia: ele fazia tudo praticamente sozinho, a comida, a limpeza, o comércio; e quando o dia caia, ele se deitava para que no dia seguinte tudo se repetisse. Assim foi desde que o seu pai faleceu e sua mãe adoeceu. Ela não fornecia muito além de lindas tapeçarias, bordados, alguns jarros de barro e longas histórias sobre a época de juventude e sobre o pai de Juyeon.

Sua mãe se referia ao falecido como alguém muito inteligente, sempre que podia (e mesmo que o mais novo ainda se recordasse); ele era um homem engenhoso, que tinha construído a casa de madeira em que moravam, ele que acreditava em muitos mitos sobre a floresta. Um deles era sempre repetido e era o que Juyeon gostava mais — sobre um reino de criaturas mágicas, elfos e fadas que buscavam incessantemente por um reino a muito tempo perdido. Sua mãe, deitada na cama e sem poder andar, diria até hoje que tudo aquilo não passava de invenção, mas Juyeon insistia.

O filho único da família Lee passava ao menos cinco minutos, tempo entre suas tarefas diárias, contemplando a imensidão da floresta ao lado de sua casa e como ela percorria as colinas, sumindo de vista até onde podia-se ver. Ele desejava, assim como seu pai contava, explorar a floresta e tentar esbarrar em uma daquelas criaturas das quais ninguém podia provar a existência ou a inexistência. 

Também recordava com afeto da época quando, ainda garoto, seu pai lhe ensinara a caçar e a empunhar uma adaga, tanto para se defender dos animais, quanto dos homens. “É preciso se defender dos dois”, dizia sempre o finado, que usava uma barba meio grisalha e os cabelos nos ombros. Juyeon ainda se perguntava se um dia poderia usufruir de uma coragem como aquela que ele o ensinou a ter e partir em uma aventura… Mas seus contos de fada duravam apenas cinco minutos por dia, em sua imaginação. Logo a rotina se repetiria e Juyeon voltava a arregaçar as mangas e cortar a lenha, suspirando.

𝄢

Em um dia desses de manhã fria, a neblina era baixa e espessa, mas o jovem Lee se acordara bem cedo e se preparou. Vestiu suas botas e uma capa mais quente para então pegar sua estrada até o comércio que ficava no centro do vilarejo, isso antes mesmo de comer. Seus vizinhos pareciam ter dormido além da conta, pois a estrada em frente a sua casa estava completamente vazia, exceto por uma figura encapuzada a quem Juyeon observou um comportamento estranho: vinha subindo a ladeira, correndo incansavelmente, até que foi perdendo as forças no meio do nevoeiro e desabou no chão, desmaiado.

Juyeon se espantou logo de cara e correu até a figura cujo o capuz não permitia que seu rosto fosse revelado. Mas podia ser filho de alguém das redondezas, ou algum bebum que arranjou confusão a noite toda e fugia às pressas da taverna que havia ali perto. Então o Lee olhou para os lados, ouvindo apenas um som tênue e distante de cascos de cavalo e levou o homem até o abrigo de sua casa, também ciente de que se ele fosse rico, já haveria um favor a trocar ou algo a ganhar com aquilo.

Levou-o até o quarto e o deitou na cama, tirando seus agasalhos, sua adaga e a capa, finalmente percebendo que se tratava de um garoto, com aparentemente a mesma idade que ele mesmo. Tinha cabelos loiros um pouco compridos que ondulavam brevemente nas pontas bem bagunçadas que lhe cobriam a testa. Seus lábios eram rosados até mesmo naquele frio. Juyeon passou a remover sua camisa para se certificar se o jovem desacordado estava ferido ou não, visto os rasgos em suas vestes. 
Foi quando notou um grande símbolo circular azul estampado na pele do peito daquele estranho, a região tomou uma cor mais viva até que brilhasse, também revelando outros símbolos, como tatuagens antigas em seu braço e pescoço. Em pouquíssimo tempo o garoto tossiu algumas vezes e despertou de uma vez. O símbolo maior em seu peito se tornou escurecido e os outros sumiram.

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