Capítulo extra: Alma livre

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As mãozinhas de Kyu deixaram nas de Eric aquelas sementes de lírio que foram tão cuidadosamente guardadas pelo qareen; logo o loiro estava se curvando às fadas e ao elfo, pronto para se despedir antes de voltar a viajar com seus aliados. Nyu estava um tanto emocional por dizer adeus a Juyeon, acabou deixando pequenas lágrimas brilhosas escorrerem pelo seu rostinho pequeno e luminoso. Então a brisa soprou calmamente, levantando as folhas secas e acompanhando o final de uma grande aventura. Quem sabe um dia todos se reencontrassem para mais uma?

Então o ambiente sereno do lago encantado se tornou ainda mais calmo na ausência de Eric e os humanos; entretanto aquele ainda era um fim de tarde muito agradável, como sempre poderia ser naquele lugar da floresta. Portanto as fadas repousaram, para então dialogar com seu novo companheiro; apesar da melancolia do momento, estavam ansiosas para conhecer mais sobre Younghoon, o elfo alto que fez questão de acompanhá-las até ali. Assim, Kyu limpou as lágrimas de seu amigo Nyu e bateu as asas para aprontar uma recepção decente, afinal, aquela era a porção da floresta que mais os aconchegavam, então seria legal fazer com que todos se sentissem bem recebidos.

O de cabelo laranja catou algumas ervas pela vegetação e montou uma pequena fogueira para fazer chá. Depois de pronto, deixou em duas pequenas cuias e em uma cuia maior, assim pôde voltar para a beira do lago e distribuir algumas frutas em conjunto ao líquido cheiroso e quentinho. Younghoon cruzou as pernas sobre a gramínea e colocou os cabelos escuros e longos para trás de suas orelhas pontudas, as fadas brindaram com seus pequenos copinhos e também se puseram a se alimentar.

- Sinto que dormi por boa parte da aventura... - Disse Nyu, ainda meio pensativo, vendo as folhinhas refletindo em seu chá.

- Não acho! Acho que acordamos bem quando precisaram da gente! - Replicou Kyu.

- O chá está ótimo, agradeço - a boa educação do elfo era uma de suas melhores qualidades, então ele pronunciou aquilo, mesmo que interrompendo um pouco a conversa das fadas. Ambas agora o olhavam atentas, era como se esperassem durante todo esse tempo que ele conversasse melhor - Então, vocês criaturinhas miúdas dormem bastante?

- Sim! Podemos dormir por até três dias seguidos! - Nyu respondeu contente, como se fosse uma atividade muito divertida a se fazer.

- Mas nem sempre isso é necessário! - Kyu pareceu corrigir um pouco o seu parceiro e Younghoon sorriu ao assistir a interação deles.

- Isso é muito interessante! - O elfo tinha o chá em mãos e seus olhos bastante redondos e atentos ao falar - Eu durmo uma vez a cada estação.

- A cada... Estação?

- A cada três meses?!

- Sim! Mas quando isso acontece, também posso dormir por dias!

- Younghoon, nosso urso da montanha! - Kyu brincou ao apertar as bochechas do elfo, arrancando gargalhadas dos outros dois ali. O maior lançou a cabeça para trás e cerrou os olhos ao que ria e acabou caindo numa crise intensa que fez seu corpo se curvar; Nyu o olhou um pouco contagiado, mas sem entender muito, pois já estava acostumado com as piadas bobinhas de seu pequeno amigo, que agora levantava vôo ao redor do rosto do maior e continuava a brincar com ele - Pare de rir assim! Eu não sei o que acontece se um elfo ri demais! Imagina se ele fica assim para o resto das próximas estações?!

Então Younghoon parou aos poucos de emitir sua risada e suspirou, enxugando o cantinho dos olhos ao se recompor. Logo sobrou apenas um sorriso meio melancólico em seus lábios, desfeito apenas quando quis tomar mais um gole do chá.

- Desculpem, eu tinha esquecido como era bom soltar o riso assim!

- Você também só ri uma vez a cada estação? - Nyu provocou, e sem querer arrancou mais um riso sincero do maior e recebeu um soquinho no ombro de Kyu.

- Lembram quando me encontraram no Castelo? Ali eu estava sob um feitiço a muito, muito tempo, assim como meus companheiros. Mas fomos libertos pelo seu amigo e devemos muito a ele! Agora podemos agir livremente, isso inclui rir, ou chorar.

- Por isso mudou sua aparência?! Quando te vimos de novo você estava mais... - as bochechas de Nyu coraram bastante, pois ele lembrou como achou o elfo bem mais bonito e vívido em seu reencontro.

- Você estava esplêndido! - A voz de Kyu sempre parecia falar por si quando Nyu estava envergonhado.

- Obrigado! - O elfo abriu um sorriso enorme com o jeito fofo das criaturinhas e tomou uma maçã da sesta que foi colocada ali entre eles, para então mordê-la pacificamente. Em seu coração, havia o sentimento de que acabara de acordar de um sono turbulento, cheio de pesadelos; também havia a falta que sentia pelos rostos e memórias já muito esquecidas, como sonhos frágeis. Aquilo era o efeito cruel do feitiço de influência que os qareens lançaram sobre seu povo: passara tanto tempo à espera inútil, ao relento mudo, que havia perdido dentro de si detalhes felizes de sua vida antes da antiga guerra, pessoas que amou, coisas que viveu. Contudo, a noção de ter novos amigos tão animados e divertidos como Nyu e Kyu passava a acender uma fagulha de ânimo naquele mesmo coração do elfo.

Então ele sorriu aliviado, mais que pronto para conhecê-los, sabia que apenas estando ali com eles, poderia entender coisas novas sobre o mundo e se surpreender, assim como numa grande aventura.

As três criaturas mágicas passaram o restante dos dias numa rotina calma, conversando amigavelmente ao passo que colhiam frutas gostosas dos mais diferentes pés, pescavam peixes nos riachos e bebiam néctar de plantas mágicas. Bastava uma gota para deixar as fadas risonhas e voando desgovernadas, e um copo grande para mexer com o equilíbrio do elfo, fazê-lo contar piadas velhas e sem graça.

Mas o que Younghoon mais gostava de fazer com Kyu e Nyu era deixar que eles trançassem seus longos cabelos e o enfeitassem com pequenas flores de várias cores que davam na gramínea ao redor do lago. O elfo se olhava no reflexo limpo do lago e se sentia um verdadeiro príncipe, na companhia de mais outros dois pequenos príncipes.

Essa sensação se estendeu por dias e mais dias. Younghoon sabia que não precisava ter pressa em ir de encontro aos outros elfos, pois queria aproveitar ao máximo todos os gostos diferentes e as pequenas peripécias ao lado daqueles pequenos seres tão amáveis que o faziam relaxar da maneira que sempre quis mas nunca soube. E num ritmo leve como esse, eles viveram na floresta como almas livres, seguindo o impulso verdadeiro que possuíam dentro de si mesmos, confiando que, para onde fossem, iriam sempre juntos.

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