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       Acordei com uma leve batida na porta. Olhei pela janela e vi apenas o breu da noite. Dei um salto e corri para a porta. Dona Jiweon estava lá com aquele mesmo ar simpático.

— Desculpa te acordar, você dormiu a tarde toda.

— Meu Deus! Não podia ter dormido tanto assim. — Falei assustado, sentando-me na cama e bagunçando meus cabelos.

Ela veio atrás e tentou me confortar.

—  Por que não? Você viajou por dias, estava cansado. Só fiquei preocupada porque vou à igreja, precisava de avisar... — Ela olhou na parede e viu os pôsteres. — Quem são esses?

— Um grupo de música que comprei antes de vir pra cá. Posso deixar aí na parede?

— Pode. Eu quase não ouço música. Aqui em casa não temos rádio nem tevê. Mas fique a vontade.  Pode cantar, ler, sinta-se como se estivesse em sua casa.

— Mas não estou, Dona Jiweon. Inclusive, queria acertar com a senhora a minha estada aqui.

— De jeito nenhum, já disse, você é meu convidado.

— Mas eu tenho dinheiro. — Protestei, pegando a mochila e tirando o dinheiro do bolso dela.

— Guarde o seu dinheiro, tenho certeza de que você vai precisar dele lá na frente.

— Mas não é justo...

Ela deu as costas e nem esperou que eu terminasse de falar. Antes de fechar a porta apenas disse:

— Eu e o Jungkook vamos à igreja. Se quiser, tem comida no forno. Voltamos às dez.

Joguei-me de vez na cama. Estava atordoado, nervoso. Não queria ter dormido. Há muito tempo não sabia o que era dormir direito. E agora, como iria dormir à noite com o corpo completamente descansado?

Escutei o barulho da porta se abrindo e e eles saindo. Imediatamente dei um pulo e me preparei para sair. Imagina se eu ia ficar sozinho naquela casa. Não que ela tivesse algum problema. O incômodo era eu e os fantasmas que me acompanhavam.

Passei pela cozinha e ameacei abrir o forno e ver o que tinha de comida. Desisti. Não tinha fome. Tomei um gole d'àgua e ganhei a rua. Triste rua que àquela hora estava deserta, nem os cachorros vira-latas passavam por ali. Olhei para o alto das casas e vi enormes antenas apontadas para o céu. Estava explicado: todos estavam diante de suas caixas mágicas, vivendo momentos mágicos e deixando a vida correr solta lá fora. Subi a rua e cheguei à praça com seu chafariz colorido, coreto abandonado e bancos vazios. Senti frio. O vento gelado descia a montanha e, sem o sol, a sensação de frio aumentava. Sorte eu estar com uma jeans, mas continuava com a camiseta regata que deixava meus braços pelados. Sentei-me num banco e fiquei observando o pipoqueiro que, solitário, estourava suas pipocas. De um lado da praça ficava a imponente igreja católica, do outro, menor e mais discreta, a igreja evangélica onde deveria estar a Dona Jiweon e seu filho.

Antes que pudesse questionar minha próprias decisões; levantei-me e fui em direção à igreja católica. Subi a escadaria e entrei no momento em que o padre fazia a sua homilia. Todos os bancos estavam ocupados. Os corredores também. Fiquei no centro do corredor de onde se podia avistar toda a nave e o altar em ouro e flores com o padre falando ao microfone. Notei que seu olhar veio em minha direção. Que me importava? Havia tanta gente, seus olhos deviam cruzar, pelo menos uma vez, com os olhos de cada um dos fiéis.

Durante toda a missa eu rezei, pedi por mamãe e pela Momo. E pedi por mim, que estava atordoado e temeroso. Quando terminou a missa, não saí. Aproveitei os bancos vazios e resolvi ficar sozinho com Deus. Senti necessidade de prestar contas desses últimos dias em que eu mal tive tempo de falar com ele. Assim não vi o tempo passar. Estava tão envolto no meu pensamento que não notei quando alguém se aproximou e ousou ficar ao meu lado.

 Doce Veneno | ʝʝҡ+քʝʍNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ