O que ela pode fazer

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Jane dirige seu olhar para o homem sentado imóvel dentro do carro, parece que mesmo vendo a situação de perto lhe custa a conseguir acreditar. Tenho certeza que, como eu, ela tinha esperança de ele estar vivo.

-O carro caiu de um lugar bem alto, então com o impacto a cabeça dele deve ter batido com muita força no volante. Talvez isso tenha acontecido até mesmo antes de ele chegar no solo, quando o carro bateu contra a mureta de proteção do viaduto - explico com pesar

Ela não diz nada, apenas concorda com a cabeça levando as mãos ao rosto por um tempo, suspirando fundo e ao retirar, seus olhos encontram os meus. Neles, vejo um misto de raiva, tristeza e até mesmo culpa.

-É nossa culpa - ela sussurra

-Não, Jane. Não é! Maria Sangrenta foi quem fez isso.

-E por que ela fez? Porque queria chamar a nossa atenção. Ela disse isso com todas as letras. Se não fosse a gente estar aqui ele ainda estaria vivo - ela diz tentando conter a irritação - E quanto a família dele? E os amigos? E se ele for pai? E se nós tiramos o pai de alguém hoje?

-Escuta Jane, não é nossa culpa! - digo enquanto me aproximo colocando minhas mãos em seus ombros para que ela se concentre em mim - Quem fez isso foi a Maria Sangrenta, ela é a única culpada, ela é um ser cruel e não está nem aí pra ninguém a não ser ela mesma por isso fez uma atrocidade dessas. Foi ela quem matou ele, não fomos nós. Não foi você! Você não tem culpa disso. Eu tenho certeza que ela falou isso justamente para nos desestabilizar. Não cai na dela.

Tento acalmá-la, o que não tenho certeza de ter funcionado cem por cento já que ela não concorda comigo. Invés disso ela desvia o olhar de volta pro carro destruído ao nosso lado e respira pesadamente enquanto eu me afasto, logo antes de mudar de assunto.

-E o que fazemos então? Deixamos ele aí?

-Não podemos tirá-lo daqui, os mortais precisam de uma explicação para a morte dele.  Para eles não vai passar de um acidente de carro. 

-Tá mas não podemos fazer nada mesmo? Já é madrugada, até alguém prestar atenção que a mureta está rompida, olhar aqui pra baixo e achar o carro já vai ser de manhã. Talvez demore até mais!

-Tem razão. Você tem alguma ideia?

-Bom, você… podia ligar para a polícia!

-Eu?!

-Sim, ué! Você é um guardião e eu aposto que tendo todas as crianças do mundo acreditando em você te torna poderoso o suficiente para os adultos conseguirem te ver e ouvir também.

Eu abro a boca para contestá-la mas desisto. Embora eu nunca tenha parado para pensar nisso até faz sentido o que ela falou, o que faz lembrar de vezes nesses últimos quatro anos em que eu estava brincando com as crianças e alguns adultos realmente pareciam estar olhando para mim. Aparentemente eles estavam mesmo.

-Ok, eu vou tentar.

Percorro a parte de dentro do carro com o olhar para ver se encontro o telefone do motorista e logo vejo algo metálico brilhando no chão em frente ao banco do carona. Vou para o outro lado do carro e percebendo que se trata de um telefone, pela janela quebrada, me estico para alcançá-lo. Ao pegá-lo, vejo que a tela está bem rachada, mas ainda está ligando, sem precisar de senha para emergências, disco o número da polícia e logo uma atendente começa a falar em russo. 

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