v. dois longos dias.

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Eu havia convencido Hawks a ficar em casa até ele melhorar. Ele ficou sentado na cama enquanto eu entrava escondida no quarto do meu irmão e catava algumas de suas roupas para que Keigo vestisse, ele não iria dar falta, contudo não precisei me preocupar com as consequências.

Fechei a porta do guarda-roupas enquanto segurava uma muda delicadamente, ao mesmo tempo que tentava escondê-las para não parecer suspeita.

Cheguei ao quarto e o loiro estava em pé, bisbilhotando meu mural de avisos que fica acima da minha escrivaninha. Meu corpo gelou porque lá estavam coisas que eu gostaria que ninguém visse. O que todos iriam pensar se lessem aquilo? Eu seria vista como certinha demais... Pelo menos na visão das pessoas de hoje em dia que preferem deixar a vida levar...

Balancei a cabeça, agora não é a hora para essas crises.

─ Você é bem organizada, não é? ─ Ao notar minha presença ele se afasta e me encara. ─ Parece até um computador. Agora eu entendo porque você é tão certinha...

E continuou olhando ao redor do quarto.

─ E-eu trouxe roupas pra você tomar banho. ─ Cortei o assunto e apontei para as mudas em minhas mãos, ele naturalmente arqueou as sobrancelhas.

Naquele mural haviam horários, avisos e metas. Obviamente não foram escritas por mim, lembro de quando eu tinha quinze anos e meu pai estava escrevendo em todos esses post-its e falando em voz alta tudo o que anotava para a ideia entrar na minha mente e se fixar lá.

Era como uma lavagem cerebral.

Caminhei até ele e entreguei-lhe uma toalha limpa e as roupas. Quando nos mudamos pra cá eu insisti em ficar com a suíte, felizmente meu irmão cedeu, diferente de mim, ele não gosta de passar muito tempo no quarto; tanto é que agora ele deve estar saindo com seus amigos enquanto eu estou aqui.

Mas é claro que o tratamento entre nós dois é diferente, Koji está se formando enquanto eu estou dando os primeiros passos.

─ Obrigado. ─ Ele murmurou agarrando as coisas e caminhando ao banheiro, fechando a porta.

O que havia acontecido com o Hawks que eu conheci na ponte? Ele parecia mais sério que o normal... Sentei-me na escrivaninha e apoiei as mãos no rosto, encarando aquele quadro com post-its, marcações e fotos. Meu olhar caiu sobre uma data:

Cinco de junho.

O dia que começaria minha faculdade de Ciências aeronáuticas. Minha mente se recusava a aceitar aquilo, mas eu realmente não tinha muita escolha.

O dia estava próximo, já estávamos no final de maio. Acabei me perdendo nos devaneios sobre como seria a faculdade e como eu lidaria com isso. Eu fui preparada apenas para ir, agora me virar lá dentro era outro assunto. Koji conversa comigo sobre isto às vezes, mas ele é mais sociável que eu, se dá melhor com os outros, sem contar que ele fala mais sobre as matérias do que ser amigável em geral. Enfim... Iremos para a mesma faculdade, mas como ele está quase se formando mal iremos nos encontrar por lá. O que pra mim é péssimo porque eu estarei totalmente perdida.

Fiquei algum tempo olhando um ponto fixo no meu quadro de avisos quando me distraio com a porta do banheiro. Virei-me involuntariamente e lá estava ele... Com a calça longa e azul, toalha nos ombros e sem... Camisa? Eu fiquei um tempo o encarando, nem percebi que estava vidrada. Seu corpo era definido o suficiente para ser digno de um modelo padrão. Fala sério, ele é o tipo de homem que estaria estampado em uma revista de peças íntimas.

Ah, claro que ele tem esse físico, ele é um herói e heróis fazem treinamentos pesados desde cedo.

─ Meus olhos estão aqui em cima. ─ Ele falou em tom brincalhão.

─ P-por... Por que você está sem camisa? E-eu não trouxe uma? Eu posso ir buscar agora mesmo... ─ Minhas bochechas estava realmente vermelhas, mas seu rosto indicava despreocupação com a situação que nos encontrávamos.

─ Não se preocupe, você trouxe uma sim ─ Ele mostrou. ─ Mas acho que você esqueceu que... ─ Ele nem falou muita coisa, apenas deixou que suas asas se mexessem, mesmo que de forma desengonçada por estarem com poucas penas.

Ah, é mesmo. Ele tem asas...

─ E acho que não seria legal cortar as roupas do seu pai apenas para esta ocasião.

─ Meu irmão! ─ O corrigi, mesmo que fosse irrelevante. ─ E ele não ia se importar de todo jeito. Aliás, sinto muito por... Elas. ─ Apontei para as mesmas asas miúdas.

─ Não se preocupe, em dois ou três dias elas estão grandes de novo ─ Passou a mão no cabelo molhado na tentativa de arrumá-lo. ─ E aí, talvez eu resolva te levar pra passear como agradecimento.

Ele não cansa disso?

Acho que eu havia esquecido o fato de que havia um homem ─ mais especificamente um Pro Hero ─ no meu quarto, sem camisa e com o corpo úmido devido ao chuveiro... E eu estava mais preocupada em se ele vai parar de me cantar ou não?

Novamente sinto minhas bochechas arderem enquanto aperto o short que eu usava.

─ Sem pensamentos impuros. ─ Sua voz me distraiu um pouco, eu apenas o encarei ainda parado na minha frente.

Não o respondi, eu sentia meu rosto quente e na cabeça havia um milhão de pensamentos. E se me pegarem? Como eu vou explicar isso? A pergunta é... Existe alguma explicação pra isso?

Mãe, pai, eu posso explicar! Eu estava indo para a ponte e ele acabou me agarrando porque achou que eu fosse cair... Não, não diga isso. E ele me salvou porque achou que eu fosse cair da ponte. Então nos encontramos outra vez e ele me trouxe pra casa. Agora ele se machucou e eu carreguei ele pra cá porque...

Criei uma situação hipotética na minha cabeça que eu mesma não conseguia responder. Por que eu havia feito isso mesmo?

Eu sabia que isso seria arriscado pra mim, mas talvez nem tanto pra ele....

Passou pela minha cabeça que por ele estar no meu quarto, se meus pais descobrirem, isso pode acabar gerando uma má reputação na sua carreira de herói. Meus pais são capazes de tudo. E a culpa seria minha! Senti um enorme peso em meus ombros naquele momento.

Céus, eu estava tendo mais uma crise.

─ Ei, você está bem? ─ Ele colocou a mão no meu ombro enquanto aproximava o seu rosto do meu. Seus olhos castanhos-dourados passavam uma segurança em mim, mas não era o suficiente para afastar os pensamentos que tive.

─ S-sim... ─ Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha e ele voltou à sua posição. ─ Durante o tempo que você estiver aqui, você tem que me prometer que vai manter a porta trancada quando eu não estiver e nunca, em nenhuma hipótese, vai sair daqui pra ir em outros cômodos.

─ Hey, eu, uh... Não faço promessas que não posso cumprir.

─ É sério, Keigo! Você tem que me prometer.

Ele me encarava como se pedisse por uma justificativa, seu rosto transbordava teimosia.

Eu deveria contar a verdade pra ele? E ele vai entender? Ele não deve ser muito diferente das outras pessoas que você tentou conversar sobre, lembra que elas diziam que você era ingrata por ter pais tão bons? E se ele falar a mesma coisa?

Mordi o lábio inferior, engolindo todas as palavras que estavam na ponta da língua.

─ Eu não moro sozinha, e meus pais... Bem. ─ Falei com a mão no pescoço.

─ Deixa eu adivinhar, eles odeiam heróis? ─ Ele tombou a cabeça para o lado.

─ Sim e não... Eles apenas não querem que tenhamos esse futuro. Só isso.

─ É, eu percebi ─ Ele disse e olhou por cima do meu ombro, lugar que estava o meu quadro de avisos. ─ Bom, como você quiser. Eu te garanto que não vou ficar por muito tempo. Apenas o suficiente até elas crescerem.

Ele deu as costas e eu pude apenas ter a visão das belas asas vermelhas de penas miúdas rasgando suas costas.

Vão ser dois dias muito longos.

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