Um som agudo vibra pelo ar coberto de poeira. Choro. Uma criança estava chorando em meio a destruição cinzenta do que um dia foi uma cidade. Colunas negras de fumaça se erguiam das brasas mórbidas, se camuflando no céu escuro. Estavam por toda parte, no chão de terra, nas casas destruídas, nos cadáveres espalhados, por todos os lados, as assombrosas marcas de garras e mordidas evidenciavam o que havia acontecido ali: ataque de monstro.
Há anos que a situação ultrapassou o limite do que era para ser o nível crítico, e está piorando a cada dia. Esse mundo é dividido entre muitas espécies, diversas raças fragmentam o poder entre si, uma delas é a raça humana. Soberbos, porém numerosos, arrogantemente os humanos intitularam qualquer raça diferente da deles como "monstros". Era de se esperar que os humanos tivessem medo do poder e ferocidade dos monstros, certas espécies tem o hábito de devorar as mais fracas na época de escassez, como uma raça tão frágil os humanos acabaram sendo principal escolha para evitar a fome. Como já era de se esperar a interação entre ambos não foi nem um pouco agradável. E por décadas uma guerra cruel vem afogando o mundo no próprio sangue.
Caos. A única palavra que pode descrever o que vem acontecendo com tudo e todos. Aquela menina era só mais um efeito colateral em meio a destruição que se espalahava por todas as partes.
Ele observava de longe. A fragilidade inata à raça humana o incomodava muito. Como - em um mundo que transborda magia - pode existir uma raça tão medíocre?! Sem garras, presas, veneno, força, ou qualquer habilidade que a destacasse das demais, como a humanidade resiste nessa guerra por tanto tempo?
A silhueta do ser se misturava nas sombras de uma construção destruída, somente alguns detalhes eram perceptíveis, como sua anormal altura ou seus maquiavélicos olhos escarlates que se destacavam em meio à penumbra. Seu olhar sanguinário escoltava a criança de cabelos loiros manchados pelas cinzas, pena era a única coisa que conseguia sentir. Não compaixão ou complacência, apenas pena. Aquela pobre criatura não iria sobreviver por muito tempo, ela vai definhar de frio e fome até que seu pequeno corpo não suporte mais existir. Esse fim era terrível demais para alguém que mal começou a viver. Portanto ele faria um favor a ela, nem precisava agradecê-lo em outra vida...
- Filhote... - sussurra a sombria figura - Permita-me acabar com seu sofrimento!
O obscuro ser estende seu braço em direção à menina, ele iria por um fim nela dali mesmo, a dezenas de metros de distância, ela nem saberia o que a atingiu, seria somente um repentino apagão e depois... paz. Mas ao perceber algo ele interrompe seu movimento.
Um som engasgado surge do outro lado da rua destruída, um barulho de mastigação. De dentro da coluna de fuligem toma forma uma criatura. Primeiro surgem seus alongados braços armados com mãos esguias de quatro dedos cada, munidos com garras tortas embebidas de sangue humano. Depois aparece sua cabeça com feições ósseas como um crânio de dinossauro, mas com a pele lisa de um anfíbio, seus olhos verdes com pálpebras invertidas procuravam a fonte daquele agudo e irritante som. Finalmente a criatura avista seu alvo: um filhote de humano indefeso, uma presa fácil, considerando o que ele já havia pego hoje. Usando seus braços o monstro sai completamente de dentro da fumaça, mostrando seu corpo alongado e cilíndrico como o de uma serpente, sem pernas, somente sua sinuosa calda e seus braços o impulsionavam para frente, para abater a última presa desse local de caça.
O sombrio se encolhe de volta nas sombras. Talvez realmente fosse melhor deixar a natureza seguir seu curso, afinal aquele rastejante também deve ter filhotes para alimentar. Se realmente fosse para essa humana sobreviver a natureza devia ter dado à ela uma arma, no fim esse sempre seria o destino da frágil humanidade, servir de alimento, era assim que devia ser, para que o equilíbrio fosse mantido.
Um novo som... estava se aproximando rápido... era o galope de um cavalo. Olhando de relance para os limites da vila um único homem em um sobretudo marrom pelejava para dentro do local destruído. O rastejante também percebeu a aproximação desse único benfeitor, sua reação foi entoar um sibilo serpentino, alto o suficiente para a criança detectar sua presença e, intencionalmente, seus companheiros também. Mais duas criaturas aparecem em meio as casas, emitindo seu som de ameaça. Com a desvantagem de três para um, com metade da força de cada rastejante e com uma menina que mal conseguia se mover de medo, o homem continuava a cavalgar diretamente para a morte certa. Essa atitude irracional que contraria qualquer instinto de sobrevivência só serve para confirmar que todos os pensamentos do sombrio estavam errados.
Chegando ao encontro das criaturas o cavaleiro desembainha uma espada e parte a cabeça do primeiro monstro com um único golpe, se aproveitando da velocidade de sua montaria. O homem desce rapidamente pois seu cavalo não podia chegar perto demais dos monstros. Um dos rastejantes solta um urro estalado para intimidar o inimigo que chegara tão repentinamente. Ignorando o aviso do monstro o guerreiro parte para o ataque sem nenhum pudor. Ambas as criaturas disparam para matar a ameaça, a primeira salta com as garras projetadas para estripar o humano, mas o homem desliza por baixo, desviando do ataque e desferindo um corte no segundo rastejante. O primeiro monstro se vira para enfrentar o inimigo esguio, mas é acertado nas costas antes que pudesse fazer qualquer coisa. Flechas perfuram seu corpo, fazendo esguichar seu sangue escuro enquanto o homem partia o tórax do outro inimigo com um golpe de sua espada. Na entrada da cidade se aproximavam mais pessoas, todas trajando sobretudos marrons e usando chapéus, uma delas estava mais adiantada, um arqueiro estava posicionado à uns cinquenta metros dali. Logo os guerreiros chegam em suas montarias. O arqueiro desce de seu cavalo e vai direto falar com o guerreiro da espada, enquanto outros soldados acolhiam a criança.
- Senhor! - chama o arqueiro.
- Com ela são dezenove sobreviventes! - diz o guerreiro, enquanto retirava sua espada do cadáver da criatura - Montem um cerco ao redor das três vilas, se necessário peça reforço...
- Já recebemos uma mensagem da capital senhor, em breve chegará uma tropa do leste!
- Então vamos procurar mais sobreviventes e montar barreiras nas saídas das cidades! Nenhum monstro pode escapar! SOLDADOS! VAMOS MOSTRAR PRA ELES QUEM SÂO OS CAÇADORES AQUI!
E assim se sucedeu.
De uma colina coberta por árvores o sombrio observa a movimentação dos humanos. Se retirar foi a melhor opção. Não pôde deixar de notar a ironia, como ele mesmo pode testemunhar a raça humana nunca esteve indefesa, eles passaram em seu teste. Agora ele entende o motivo dessa guerra de arrastar por tanto tempo. Desde que esses grupos surgiram e começaram a se ajudar, desde que nasceu a Ordem dos Caçadores, a guerra deixou de ser tão desequilibrada.
Através do caos o mundo atinge seu equilíbrio. E se um dia essa guerra acabar, ele terá que agir, assim como quando ele soltou os rastejantes na cidade. Trazer o caos para que nasça equilíbrio. Para que haja sentido nesse mundo sobrenatural.
A lembrança dessa cena o acompanhou... nas últimas décadas... é... já está na hora de começar a fazer valer suas palavras...
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Caçadores Sobrenaturais - A Caçada Começa
FantasyO mundo está dividido entre monstros e humanos a mais tempo do que é possível lembrar, e para proteger a humanidade da voracidade incontrolável das criaturas nasceu a Ordem dos Caçadores. Anos após o fim de uma grande guerra surge um grupo extremist...