Capítulo 17 - O Festival da Colheita

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A confusão tomava conta da mente de Julian no meio daquele festival. Ele não aceitava que fosse parte de um esquadrão assassino mandado para acabar com o resto da família real aquariana, o pior de tudo era que não conseguia mais conversar direito com sua amiga Safirah desde então. Como encarar nos olhos a pessoa que era seu alvo para liquidar, sabendo quem ela é, que é uma pessoa gentil e que se arriscou para salvar sua vida mais de uma vez mesmo sem nem conhecê-lo direito?! Alguns lapsos de memória ficavam mais claros agora, ele se lembrava de uma luta, uma tempestade, e de fogo, muito fogo. Nada substancial, mas também nada que descartasse a afirmação daquele pirata.

Os devaneios do jovem flamejante são interrompidos por seu amigo fantasma, Henry chegou com uns cinco frangos no palitinho, e dividiu igualmente para os três. O vampiro também os acompanhava, o semblante arrogante contrastando com a aparência mirrada. Cristopher abocanha a carne com suas presas brancas, fazendo uma expressão de desgosto.

- Comida humana continua estranha! - diz, devolvendo o galeto para o menino, que o devora com felicidade - Eu tô precisando de um doce! Um bolo cairia bem agora!

- Vampiros não deveriam gostar de carne? - indaga Henry, em meio mastigações.

- Na verdade vampiros bebem sangue, o problema é depois que a gente prova sangue humano pela primeira vez - explica o monstro - Vira tipo um vício, e os humanos são uma raça que tem muita afinidade com magia, o sangue um deles vale o de uma dúzia de animais!

- Então você é um viciado... - conclui o menino.

- Olha aqui moleque eu luto muito contra a sede valeu?! - retruca o vampiro - Toda vez que eu sentia sede eu ia na cidade e comia um bolo, aí acho que acabei trocando meu vício ou sei lá...

- Ah... por isso você tá só a capa da gaita! - diz o garoto - Mas seu irmão era bem mais forte né? Qual é a dele?

Cristopher ignora o insulto, pega uma bandeirinha de um jarro da mesa e prossegue a conversa, gesticulando como se fosse um conto épico.

- O mais novo dos três irmãos se perdeu para seu ódio, tentou fazer uma rebelião contra os líderes dos clãs de vampiricos e, em sua derrota, levou um importante artefato do palácio!

- Nossa! - profere Henry, impressionado - E o que é esse artefato?

O monstro tremula a bandeirinha como se fosse uma pequena espada.

- Aquela foice estranha que muda de forma... Ela era uma relíquia do fundador de um dos clãs... - explica.

O menino de cabeça raspada ouvia esse nome recorrentemente, "relíquia" parecia ter um significado maior do que a palavra em si. Ele se lembra de uma conversa entre o caçador e o vampiro alguns dias antes, onde o monstro indagou o que seria a espada negra que o humano carregava por aí. Kaiorh explicou que aquela arma também era uma relíquia e que tinha uma maldição. Será que é isso, relíquias são armas mágicas?

- Enfim, o Amon aprontou e eu me ferrei por tabela! - conclui o vampiro, jogando a bandeirinha fora - Agora vamos achar uma confeitaria ou um monte de gata, a depressão desse moleque já tá incomodando!

Julian tenta resistir mas é arrastado da mesa por seus companheiros.

Perto dali Kaiorh, juntamente com Safirah e Ralf adentram em uma construção semelhante a uma taverna. Aquele lugar era a guilda de Vale Negro, um edifício do governo cuja função era servir de organização para os caçadores ou qualquer um interessado pudessem aceitar missões e recolher recompensas pela captura de procurados. O homem, trajado com seu sobretudo desabotoado, deixando amostra sua camisa de tecido marrom, como sempre debaixo de um exuberante chapéu negro com uma faixa de couro o rodeando, presa por uma fivela de prata. Aquele sujeito passara por esse mesmo portão inúmeras vezes, mas agora era diferente.

Estavam no meio do festival da colheita. Nessa época do ano os pomares da região eram mais abundantes, milhares de frutos grandes e suculentos eram colhidos, o suficiente para pagar esse festival anual proporcionado pelo ilustre senhor prefeito. O problema que o caçador conhecia bem, era que a aglomeração de pessoas e a quantidade farta de comida atraiam a atenção de muitas criaturas e, consequentemente muitos predadores da região. Por mais que tivesse vivido alguns anos nessa cidade Kaiorh quase nunca aproveitou o festival, afinal esse era o dia mais cheio da estação.

Vieram ver se os guardas imperiais estavam tendo dificuldade na contenção dos "animais" de fora dos muros. Até então ele iria sozinho, mas a menina disse que precisava sair um pouco, as coisas entre ela e o garoto tocha ficaram estranhas desde Aquamarine, já o lobisomem disse que perdeu algo que precisava recuperar, talvez tivesse algo haver com a derrota que ele sofreu contra a general da Horda.

No mural logo foi possível ver as recompensas dessa temporada, cinco mil por cada cabeça de Grarh que conseguissem trazer. Grarh são criaturinhas problemáticas, cerca de cinquenta centímetros de altura, garras finas, dentes fortes, pernas curtas, braços alongados, carnívoros e pra fechar com chave de ouro, atacam em bando. O problema de verdade é quando aparecem os grandões, os mais velhos. Em certa etapa da vida dessas praguinhas elas passam por uma metamorfose e saem de uma peste de jardim pra um armário de três metros que consegue arrancar um braço com a mesma facilidade que se corta um pedaço de manteiga.

Os dois invasores de missão ficam olhando o quadro enquanto o humano de cabelos longos vai falar com a pessoa responsável.

- Pois não senhor... - diz uma atendente de cabelos cacheados e olhos cor de mel, tristonha e cabisbaixa, deitada com a cabeça sobre o balcão de madeira.

- Como você chegou aqui antes da gen... quer saber, deixa! Tá triste por que? - indaga o caçador.

- E-eu perdi meeeu liiiiivro! - responde, quase chorando.

- Era tão importante assim? - discute Kaiorh - Não tem nenhuma biblioteca em que você consiga achar uma cópia não?

- É que não era meu, era uma pesquisa que eu tava fazendo, se eu não devolver eu vou presa... sniff, sniff... - explica - Assim eu nunca vou conseguir entrar pra ordem dos magos...

- Espera... ordem... dos magos?! - diz ele, completamente surpreso - Que tipo de livro você perdeu?

Após explicar toda a situação os três saem de lá com uma missão em uma fazenda próxima, alguma besta estava envenenando a água de uma nascente próxima e estava matando parte das plantações. Parecia um problema simples, geralmente carcaças de animais mortos por predadores caem na água e fazem com que a água fique contaminada por sua decomposição, não era algo nem tão raro de acontecer.

Mas o humano ainda estava pasmo com a competência da atendente em conseguir perder uma desgraça de um Grimório, inacreditável!

Caçadores Sobrenaturais - A Caçada ComeçaOnde histórias criam vida. Descubra agora