Capítulo Nove

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A mão de Thomas em meu braço faz com que eu volte a realidade onde a fumaça adentrava a quadra por baixo das portas. Ele me puxa na direção contrária para que não fossemos esmagados quando as pessoas entrasse em pânico. Mais pânico.

Meus olhos encontram o de Isaac e ele corre até nós, abrindo caminho entre os alunos apavorados.

— As pessoas que estão perto da porta vão sentir cheiro primeiro. Provavelmente vamos morrer asfixiados e depois nossos corpos vão ser carbonizado.

— Me sinto melhor em saber que não vou morrer queimado, mas sim asfixiado, estou tão animado. — zomba Isaac com um sorriso leve. Reviramos os olhos. — O quê? Vocês não estão?

— Meninos! — berra alguém, viramo-nos há tempo de ver o diretor subindo as escadas da arquibancada. — Preciso que levem o máximo de alunos para os vestiários. Já chamei os bombeiros e uma equipe médica para se houver machucados...

— Não vai caber todo mundo lá. — informo.

— É isso que “o máximo” — Isaac faz aspas. — significa.

Um estrondo corta a fala do diretor, e somos obrigados a obedecer sua ordem às pressas. Isaac fecha as portas e, por mim, eu relaxo. Vou para a parte mais alta do vestiário feminino, e há dezenas de alunos e alunas aqui. Meu coração acelera mas ainda não entro em pânico até subir para a parte mais alta. Pego meu celular e, com dedos trêmulos, ligo para Thomas. Ele atende de imediato.

— Por favor, me diga que ela está aí. — imploro, ainda olhando para as cabeças no pequeno espaço, ainda sabendo que ela não está aqui, tento encontrá-la.

— Hã... não.

— Thomas!

— Ela não está aqui, Maya.

É o suficiente para o celular escorregar da minha mão. Seguro-o com mais força e desligo a ligação antes de ouvir o som de algo caindo. Todos vão ao chão. A fumaça ainda não chegou até nós, o que significa que o fogo ainda está longe.

Os olhos de Isaac encontram os meus. Estou tão apavorada, porém ele entende, assente e indica a porta com a cabeça. Mais alguma coisa cai, causando mais desespero. Aproveito para abrir a porta e sair.

Ai, meu Deus. Os estrondos eram os sons que as madeiras causavam quando colidiam com o chão. A quadra está caindo aos poucos, o fogo está engolindo tudo. Tranco o maxilar, respiro fundo e corro para dentro das chamas.

Vou gritando seu nome a cada passo que dou. Nenhuma resposta, nada. Continuo avançando até que um som estranho me chama atenção, e não tenho tempo o suficiente para identificar de onde veio ou o que significa, porque, seja lá o que tenha sido, acabou de me jogar ao chão. Estou presa e as farpas quentes queimam minhas pernas. Tento gritar por socorro e é quando me dou conta: me afastei demais do vestiário, agora estou sozinha, somente eu, o fogo, a fumaça e... Entre os dois últimos, uma silhueta.

Estico minha mão enquanto tusso. Ela a pega.

— Vou tirar essa coisa de cima de você. — ela diz e antes que eu possa impedi-la já que o fogo está mais próximo agora, Hanna já está se posicionando contra a madeira, embora não tem forças o suficiente para empurrá-la ou levantá-la.

— Não, não, não. — protesto, vendo a fumaça se intensificar. — Hanna, saia!

— O quê? — ela tosse. — Não! Nem mesmo com a presença da polícia! — Hanna se abaixa e agarra meu rosto entre suas mãos. — Sinto muito por mais cedo, sinto tanto que não posso deixar você aqui. Então — ela se senta confortável no chão. Quase grito. —, se a morte vim te buscar, espero que ele trata caixões para duas.

— Hanna, você não...

— Eu me recuso a te deixar. — ela crava as unhas em meu rosto, fazendo arder até que seus lábios encontrem os meus. Ela me beija, eu a beijo e de repente não há mais nada.

Seu beijo tem gosto de cinzas, mas seu cheiro, por incrível que pareça, ainda se sobressai a tudo em nossa volta. Ela finaliza o beijo e me olha nos olhos. Os vidros das janelas no alto explodem e as chamas se engrandece. Soamos pelo calor, tossimos pela fumaça e choramos pela dor que o fogo começa a causar conforme se aproxima mais, e mais, e mais... Hanna deita no chão e me abraça.

— Sempre achei que morreria nos braços de alguém que eu gostasse.

— Desculpe, então. — não sei como, mas consigo sorrir.

— Não, Maya, não. Você é alguém que vale a pena, e isso é mais do que eu achei que merecesse.

Abraço-a com mais força e me arrasto até que eu fique deitada por cima dela, protegendo seu corpo dos estilhaços. Minha perna grita em protesto, os músculos latejam, imploro, mas eu não ligo.

Estou a ponto de deixar esse corpo e me fundir à sua alma, sussurro um desejo contra seu coração: em outra vida, se for possível, eu quero que tenhamos uma chance. é apenas isso, eu juro. Um dia, em outro vida, eu vou te fazer feliz, Hanna. Um dia, em outra vida, eu vou fazer com que tudo isso valha a pena.

Vou fechando meus olhos e em um ponto entre a vida e a morte, ouço-o os portões serem arrombados.

•••

Sinto uma dor de cabeça imediata quando acordo. A iluminação contra meu rosto faz com que minhas vistas também doam. Viro minha cabeça para o outro lado, observo uma mulher de costas. Limpo a garganta baixinho antes de perguntar:

— Hanna Morris — ela se vira, continuo: — onde está?

— Sua amiga já teve alta. Inclusive, tem mais o nome dela na sua lista de visitas do que de qualquer pessoa. Ela parece se importar muito com você, porém isso é apenas consequência.

— Consequência? De quê?

A doutora franziu o canto da boca quase imperceptivelmente. 

— Você protegeu ela enquanto deixava sua vida em risco completo. Soube que você foi a única a ir procurar pela garota. Isso é um belo e raro ato. Ela se sente grata, essa é a reação.

Estalo a língua no céu da boca, ignorando-a por completo. Do jeito que os acontecimentos foram ditos por ela, pareceu que eu estava fazendo um favor a Hanna. Isso não é verdade, claro, salvaria sua vida de qualquer forma.

Gemo ao sentar-me na cama.

— Além dela, quem mais veio me visitar?

— Tenho que olhar as assinaturas na recepção. Mas se ajuda em alguma coisa, dois garotos morenos vieram quase tantas vezes quanto Hanna. — ela sorri. — Vou te deixar descansar antes da sua próxima visita.

Estou a pronto de dizer que não preciso descansar, que seja lá quem for, pode entrar, quando meus olhos voltam a ficarem pesados e, por fim, acabo adormecendo.

•••

— Maya?

Rolo minha cabeça para o lado, e sinto um soco no estômago ao ver meu pai. Não, não é ele, mas seu irmão gêmeo, Caio. Quando me recupero da dor, olho-o com desconfiança.

— O que faz aqui?

— Estou feliz por você estar bem, querida. — diz, ignorando minha pergunta.

— Tenho certeza que sim. — digo, embora sei que Caio não gosta de mim já que, para que ele tenha posse das coisas por completo, eu teria que ser de menor ou ter morrido. Enquanto eu viver, ele terá que conviver com minha existência e me sustentar.

Caio cruza as pernas e ajeita o terno.

— Você sabe o quanto não gosto de enrolação, portanto irei direto ao ponto: terá que voltar comigo para Bariloche.

Deveria ter suspeitado que ele não estava aqui pelo acidente, mas eu preferi acreditar que ainda restasse um pouco de compaixão nele.

— Não posso dizer que estou surpresa.

— Não? — pergunta, com divertimento.

— Não é a primeira vez que tenta me arrastar para Bariloche e tenho quase certeza que não será a última.

Pensei que ele tivesse desistido desde a última vez, há um mês atrás. Já é a sétima tentativa desde que meus pais morreram.

— É, porém eu receio que desta vez você não terá escolha.

Isso me alerta, fazendo com que eu esqueça minha situação, minhas queimaduras, e simplesmente me sente.

— Um associado meu me roubou, quero dizer, roubou o seu dinheiro. Tudo, não sobrou nada.

— Então quer dizer que estou zerada?

— Não se você vier comigo já que não posso mais cuidar dos seu dinheiro, agora só me resta você.

— Eu... ainda não entendi direito.

— Vou explicar novamente — ele apoia os cotovelos nos joelhos, me fazendo prestar o máximo de atenção. —: fomos roubados, você não tem nada além de mim e é minha obrigação cuidar de você. Mas não posso fazer isso com você aqui, em Leeds, portanto, teremos que ir para Bariloche. Você querendo ou não, querida.

Te Esperar Valeu A Pena [Clichê sáfico✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora