Capítulo 4

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Algumas horas mais tarde, depois do seu desabafo e muitas lágrimas, ele pediu um vinho e finalmente experimentei a tal bebida; muito saboroso, senti uma sensação de leveza depois da segunda taça, parecia que eu podia até flutuar no momento. Mas eu estava bebendo muito rápido, e a sensação já estava dando lugar a tontura, então comecei a ir devagar. Acho que não adiantou muito, olho para o lado e a garrafa já está quase vazia... jesus! Acho que o líquido evaporou.

Agora estamos aqui, sentados no chão do quarto; lado a lado, tão próximos que consigo descansar a cabeça no seu ombro. Engraçado o que o álcool faz, horas atrás eu não conseguia parar de chorar pensando na pobre Ayla e na dor desse rapaz ao meu lado, e agora estou tentando controlar o riso.

- Que foi? - ele pergunta, meio sem entender
- Nada, só me deu uma vontade imensa de rir... desculpa não consigo evitar ... - um riso descontrolado sai da minha boca, parece até que inalei o tal gás do riso, coloco a mão na boca mas não dá pra parar
- Ei você é fraca pra bebida não é? - seu rosto está de frente para o meu e ver ele assim tão próximo me fez rir ainda mais, aí minha barriga.

Enquanto eu tento controlar essa crise louca de risos, ele só me observa, um meio sorriso de canto, os olhos analisando cada pedacinho do meu rosto. Ele é um homem muito bonito.

Respiro várias vezes até que consigo responder sem parecer uma hiena louca.
- Desculpa por...isso. Eu nunca bebi na vida, nem um pinguinho imagina uma garrafa, deve ter sido isso - digo tentando não parecer tão estranha, afinal garotas da minha idade já costumam ter um histórico bem longo com bebidas.
- Sério que você nunca...nossa! Então acho que chega de vinho por hoje não é - sua expressão é de surpresa, e logo muda para preocupada. Ele é estranho.
- Sim, melhor eu parar mesmo - concordo pois a tontura já está me deixando agoniada.
- Como sou um cavalheiro, te acompanho senhorita - ele levanta e leva a garrafa pra sei lá onde. Volta com uma garrafinha de água na mão e estende pra mim.
- Só achei essa, bebe vai se sentir um pouco melhor
- Humm... - entorto a cara, eu não quero água.
- Não faz cara feia, bebe - lá vem ele de novo com essa mania de mandar.
- Tudo bem, mas só metade. A outra você bebe tá bom? - pego a garrafa, abro e já vou dando um gole. Não sabia que estava com tanta sede.
Ele assente com a cabeça, e de novo um sorriso de canto. Acho que já estou gostando desse gesto, melhor você parar viu moço...

Bebi a água e passei a outra metade pra ele.

- O que faz aqui em Paris? - o mesmo pergunta enquanto senta novamente, dessa vez na minha frente próximo a janela.
- Ah é uma história bem longa...
- Acho que temos até o amanhecer, se fizer um bom resumo com certeza consegue me contar - pisca pra mim, pronto já estou gostando desse gesto também.
- Huuummm, eu vim atrás do meu pai. Ele sumiu quando eu tinha oito anos, ano passado descobri que ele estava aqui. Então aqui estou haha - solto uma risadinha baixa, esse assunto ainda dói, mais percebi que existem dores muito piores - o reencontro não saiu como eu imaginava...e um estranho me fez perder o vinho que comprei na tentativa de esquecer o acontecido, pronto, deixou tudo aínda melhor...

Faço uma cara de chateada mas não consigo segurar muito e sorrio. Ele passa a mão no cabelo curto, e balança a cabeça negativamente enquanto sorri.
- Pelo menos o vinho eu paguei, sobre o acontecido eu não sei o que rolou mas saiba que sinto muito...
- Ele só deixou claro que não sentiu minha falta, e que não precisa de mim na vida dele. Mas tranquilo, estou tentando sentir ódio dele, mas não consigo. Ele é o meu pai sabe, e quando o ódio aparece as lembranças boas de antes dele partir me invade...e aí eu prefiro tentar esquecer a situação atual.
- Te entendo...sabe, agora eu sinto muito por ele, pois terá que ser estudado pra entenderem como não quer uma pessoa tão especial como você na vida dele...
- Ah não fala assim que não aprendi a lidar muito bem com elogios, sempre fico vermelha... Mas e você ? O que veio fazer aqui?
Ele baixa um pouco a cabeça. E reponde baixo.
- Eu vim trazer as...as cinzas da Ayla para os pais dela.
- Não precisa falar disso, se não quiser
- Tudo bem, depois de ter chorado no seu ombro como um bebê, acho que consigo falar sobre tudo contigo... aliás isso é bem...estranho - analiso seu rosto rapidamente e não há vestígio de lágrimas, isso é bom.
Olho para o céu e digo meio que do nada
- Somos como dois brinquedos que foram quebrados não é...
- Você vai se recuperar
- Se eu posso você também pode
- Acho meio difícil, ela era a minha vida...

Paris, onde tudo começou...Onde histórias criam vida. Descubra agora