Perso

174 15 0
                                    

Acordei com meu corpo queimando naquele chão frio, encontrar uma cama cheia de cobertas foi a sensação mais prazerosa desde que cheguei aqui mas já era hora de levantar, eu tinha esperanças quanto aquele dia, eu precisava ter, não apenas por mim mas também pelo motivo primordial, eu era necessária.
Tomei um banho quente, dessa vez eu quis estar bonita, ou, aparentemente bonita. Coloquei uma roupa quente e um sobretudo vermelho, que se destacava em meio a toda aquela tralha preta que eu chama de roupa de inverno, um cachecol e tudo estava pronto, ao menos por fora eu estava pronta. Isso bastaria.
Ouvi a campainha tocar e dessa vez meu corpo respondeu naturalmente, sem uma ansiedade precoce, estava tudo bem.
Desci as escadas e fui guiada pelo cheiro de café com creme que somente Constantine saberia fazer.
- bom dia minha querida, você tem uma visita a porta.
- porque não pediu que entrasse? - falei andando em direção a mesma.
- ele disse que era coisa rápida.
- ele? - abri aquela coisa imensa de madeira e ele estava lá, engravatado, fumando um charuto - Marc?
- ei Nic, como vai?
- bem, quanto tempo não o vejo, entre!
- você cresceu e seu cabelo também. - comentou.
- o que lhe trás a este humilde lar?
- Pauline me disse que estaria aqui, eu precisava de alguém de confiança, tenho pendências a resolver.
- claro, aceita um café? podemos conversar na cozinha!
- não será necessário, prefiro que se junte a nós nesta manhã, lhe trago de volta assim que acabarmos, se desejar!
- tudo...bem! okay!
Peguei minha boina e partimos em direção ao seu carro. Ele não demorou muito a desenrolar suas falas e histórias pelo caminho, que de tão curto, se tornou impossível.
- Pauline me disse que estava doente... - comentei estranhando sua aparência totalmente saudável.
- bom, em partes! já não sou mais o mesmo e isso é fato mas eu queria um final de ano decente, com meus filhos, amigos, sei que eles não viriam se eu estivesse bem.
- está mentindo pra eles senhor Marc?
- é por uma boa causa.
- isso seria seu sentimento de culpa sendo extraído pela velhice?
- talvez - ele suspirou pensativo - fiz por ele o que queria que tivessem feito para mim, coloquei meus sonhos sobre meu filho e o esmaguei.
- você foi cruel - acendi um cigarro - não estou julgando tudo mas quantos verões ele esteve presente conosco? NENHUM.
- eu preciso da sua ajuda, você sempre nos alegrava com suas histórias, com seus teatros com Pauline, talvez trouxesse esse espírito aventureiro de volta para nós.
- sinto desaponta-lo senhor Marc mas eu também não sou mais a mesma, você se lembra da última vez? pois é, eu também não!
Ele permaneceu em silêncio desde então, evitando até mesmo um contato visual. Assim que atravessamos o que seria a última cerca do terreno tudo me foi desmontando, feito um quebra-cabeça. Não existia mais a casa de boneca no quintal, a casa que Pauline e eu passávamos horas e mais horas. O balanço da árvore perto do riacho era apoiado apenas por um lado da corda. A tinta se descascava das paredes. Mas a porta de entrada ainda era azul, um azul tão escuro quanto o mar ao cair da noite, tão escuro quanto os becos das grandes cidades.
Nicole Flender nos atendeu de braços abertos, chará e mãe da minha melhor amiga, mãe também de timothée, o garoto que nunca foi visto pois havia sido trancafiado num colégio artístico em algum país que não falava nossa língua. Aquilo revirou meu estômago.
Quando éramos criança isso não importava muito, não para mim afinal se existe algo que criança simplesmente não tem é empatia mas olhando tudo agora, como tudo aconteceu, um certo receio por está família foi me consumindo. Mais especificamente por Marc Chalamet.
- você está linda - ela disse por fim alisando meus cabelos, provavelmente retirando alguns resquícios de flocos de neve.
- vamos entrar, está tão frio aqui fora - Marc me puxou para dentro e seguimos para a cozinha. Havia uma mesa magnífica, se tinha algo que eles sabiam fazer era te deixar satisfeito com sabores e aromas. Tudo era tranquilo e quente, parecia que estávamos novamente nos conhecendo, naquela sala onde pais negociavam e filhas socializavam.
- NICOLE - Pauline correu em minha direção e me abraçou forte, eu não pude não retribuir, depois de tanto tempo ela ainda se lembrava de como abraços apertados melhoravam meu dia.
- eu não sei nem o que dizer...eu - falei, ou, tentei falar, não saiu como eu esperava.
- muito obrigada por busca-la mesmo que isso tenha sido tão arriscado para a sua saúde papa - ela beijou a testa de Marc - aliás eu ia passar está manhã na sua casa mas tive que buscar timothée no aeroporto.

  Sabe quando seu corpo entra em transe e nada mais existe a sua volta?
Seus pés não tocam mais o chão.
O silêncio limita o som das batidas do seu coração.
Aquele foi o meu momento transe.

E lá estava ele, na entrada da cozinha, observando. Como se nada que estivesse ali, a sua frente, fosse digno da sua presença. Eu entendia, ou queria entender. Sei que não pude disfarçar, eu o encarava incrédula e apavorada. Não sei nomear o que senti sem ser: Pavor.
- então essa é a garota que me substituiu nas férias de verão? - ele sorriu forçadamente - me chamo timothée mas isso você já deve saber - ele caminhou e estendeu sua mão sobre mim e nos cumprimentamos.
  Timothée parecia uma pintura detalhada e eu não estou nem ao menos exagerando, aquilo me deixou deslocada. Seus cabelos eram quase cacheados, compridos e o deixavam com um ar tão... diferente?
Eu queria correr dali mas isso seria tão arrogante.
Era impossível não querer encara-lo, não querer usar uma lupa para ver os desenhos que suas sardas, bem acima do nariz, formavam. Ou decidir qual a cor dos seus olhos e se seu casaco cinza combinava com eles.
Me senti frustrada por pensar demais e demorar tanto tempo para sair de uma linha de conversas internas.
Todos me encaravam com preocupação.
Menos ele.
Porque ele, de alguma forma, já sabia.
Sabia que dali em diante meu cérebro seria tomado pelo doce som que ecoou dos teus lábios, do toque das tuas mãos e dos fios dos teus cabelos.
Eu estava perdida.

Questo potrebbe essere amoreOnde histórias criam vida. Descubra agora