Presente

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Marcela Mc Gowan.

O tempo havia passado depressa e as marcas de momentos sombrios, mesmo que ainda estivessem presente em meu corpo, há muito já tinha sido curado da alma. Os anos difíceis que passei longe de toda aquela adrenalina que o amor que eu sentia pela morena me proporcionava, estavam em um passado distante, mesmo que tenham me dado de presente dois amores que me faziam transbordar.

No momento eu estava cercada por áureas felizes, risadas se misturavam e faziam meu peito se alegrar.

Enquanto fazia o jantar percebi a inquietude de Maria Liz, Alessia e Jamil estavam jogados no sofá assistindo desenhos, a menina mantinha a mão agarrada a do mais velho e ele tinha um sorriso no rosto, seu jeito protetor e carinhoso fez com que a minha filha se apaixonasse por ele perdidamente. Gizelly estava sentada perto dos dois, mas se mantinha perdida em seus pensamentos enquanto flutuava em seu livro favorito.

Liz era a única inquieta naquela noite depois da conversa, a menina aparentava nervosismo toda vez que chegava perto da morena e eu sabia que mesmo que as duas tivessem resolvido, o assunto ainda estava mexendo com ela. A morena toda vez que a filha se aproximava um pouco a olhava desconfiada e logo a menina tornava a se afastar, eu sabia que ela queria dizer algo, entretanto estava com medo da reação de Gizelly.

- Peguei você! – Gizelly anunciou ao segura-la pela cintura quando pela milésima vez, a menina se aproximou da mãe para espiar o que lia. - O que está aprontando, meu amor?

Seus braços seguraram a garota mais perto do seu corpo a fazendo sentar em seu colo, os olhos dos pequenos logo caíram curiosos sobre as duas figuras, Liz tinha os seus arregalados e logo passou a acariciar as bochechas da morena.

- Não é nada, mãe. – Sua voz nervosa denunciava sua mentira.

- Maria Liz! – Chamei sua atenção, a cozinha era americana e me dava ampla vista. Minha fala fez nossos olhos se encontrarem por segundos e ela bufou em resposta, conhecia bem para saber que gostaria de dizer algo.

- Mãe, você realmente não vai embora? – Questionou com um sorriso fraco.

- Não, sem vocês não irei a lugar algum. – Depositou um beijo casto na testa da menina que se aconchegou melhor em seu colo para assistir desenho junto aos demais. - Eu amo vocês.

- Eu amo a senhora, mãe. – Encostou a lateral de seu rosto no da morena que voltou sua atenção ao livro. - Ficarei muito triste sem a senhora por aqui.

Explicar determinados assuntos a crianças é uma tarefa complicada que requer um jogo de cintura gigantesco e um cálculo preciso de cada passo dado.

Tínhamos consciência de que se tratava de um assunto extremamente delicado para as meninas, que já haviam passado por experiências de abandono e mesmo que explicássemos que aquilo não haveria o mesmo significado, não era preciso, pois Bianca também tinha dito que era para o bem e mesmo assim só retornou para o convívio delas meses mais tarde e ainda sofreram.

Então para ambas aquilo não significava uma viagem de seis meses onde manteriam o contato e sim um abandono. Completamente compreensivo.

Distância por menor que seja tem significado diferente para todos e quando existem marcas em nós vindas de um trauma, aquilo pode significar uma separação verdadeira. Separação física não significa separação sentimental e provavelmente é isso que afeta nosso cérebro e nos deixa triste.

Temia o que estaria por vir caso Bicalho recebesse a ligação confirmando que havia sido escolhida, temia por mim, por minhas filhas e pela família que aos poucos íamos construindo. Conscientemente eu sabia que para Alessia lhe transformar em mãe faltava pouco, afinal a menina já demonstrava sintomas de um amor irreversível para com a mulher.

Entrelinhas | GicelaOnde histórias criam vida. Descubra agora