- O que? – Digo num sussurro.
Elrik está de cabeça baixa, olhando para o chão cinzento craquelado. Ainda estamos sentados no chão em frente seu trono, um silencio paira sob nossas cabeças, e eu sinto uma lagrima escorrer pelo meu rosto, isso apenas não pode ser real. Ouço o fungar do urso ao meu lado, sei que ele lamenta por me fazer sentir tão mal, por provocar as minhas lagrimas.
- Eu pensei que você repararia. – Elrik diz com a voz embargada.
Como ele pode jogar isso para mim? Como se eu tivesse a obrigação de reparar algo que ele sequer mencionou ou que nem minha família contou.
- Como? – Digo aos berros – Como eu poderia saber?
- "Como?" – me imita com uma voz cética – Você acha que tua aparência é pelo que, porra? – Bravejou ao virar as costas para mim.
Estamos em silencio novamente, parecemos duas crianças brigando, uma de costas para a outra, cada uma sentindo a respiração pesada, a dor da verdade revelada, a dor. A verdade é que não posso acreditar, não posso crer que sou sua filha, nunca seria, ele é apenas um Deus mentiroso.
- Eu escolhi a cor dos teus cabelos e olhos, cuidei para que não fossem nem um pouco normais. Sabe o motivo? – Diz, mas não se vira para mim, então sou obrigada a olhar para suas costas.
- Eu não sei, qual é? – Digo com uma voz de indiferença, por mais que eu esteja me sentindo de muitos jeitos, menos indiferente.
- Sempre pensei que você deveria se destacar acima dos humanos comuns, então te dei a aparência mais diferente que fosse, para que qualquer demônio, anjo ou ser celeste soubesse quem você é antes de te tocar. – sua voz soa orgulhosa – Sabe por que o teu cabelo é branco?
- Não, não sei.
- Bom, você sabe que para se obter a cor branca, é necessário a mistura de varias cores, não é? Aqui no inferno, é quase a mesma coisa, mas o que provoca o branco é a mistura de almas. Por isso o teu cabelo é desta cor, ela mostra a mistura de várias almas que estão no inferno. Esse era o jeito de deixar minha marca em você. – Diz com a voz cheia de sentimentos que nem conseguiria desvendar – Sabe por que seus olhos são vermelhos?
- Ah, tenho um leve palpite... - minha voz é sarcástica- sangue.
- Sim, você está certa – diz enquanto se vira para mim. – Mas sabe o porquê?
- Não sei, deve haver um significado muito sombrio para isso.
- Bom, e há – diz com um orgulho pesaroso – o sangue é vital os humanos. Ou seja, você significa a vida para eles, mas também pode significar a morte.
De repente tudo fica em silencio, tento digerir suas palavras, mas sequer considerar essa ideia chega a fazer meus ossos doerem. Deve ser mentira, tudo uma grande interpretação do grande e dramático Elrik.
- Isso é mentira – sussurro.
- O que você disse? – O Deus do submundo pergunta sem entender minhas palavras
- Isso é mentira. – digo de um jeito mais firme, fazendo com que se sente um pouco mais longe de mim, talvez por raiva, ou desprezo, não sei, simplesmente se afastou.
- Violet, por que acha que a tua avó te prendia no porão? Por que ela te tratava como uma obra maligna? Por quê? – diz exasperado
- Porque ela é uma pessoa ruim e devia ter sido denunciada por maus tratos infantil. – dou de ombros.
- Sim, nisso você está certa, mas...
- Se você fosse o meu pai, jamais deixaria que me tratassem assim, não é? Porque você é um deus, quer dizer, o poderoso e grandioso Elrik. Por que não fez nada? – Digo com o maior tom de desprezo que consigo.
- Eu sei que você nasceu com umas ideias de unicórnio cor de ouro, mas a vida não é assim. Sou um deus dentre vários, não poderia interferir, senão os próprios deuses te tirariam de mim. Eles te levariam para outro lugar, e nunca mais eu poderia te ver. – Disse com a voz falhando – Me desculpa por não ter te ajudado, nisso eu fui um péssimo pai, mas eu fui egoísta assim para não perder você. Apenas poderei machucar a tua avó quando ela morrer, ai eu juro que serei muito duro com ela, mas é só aqui que posso fazer algo, não posso me estender para fora daqui.
- Ok. - digo ferozmente, não consigo deixar que a minha raiva passe.
Penso em sair desta maldita sala de trono, ir para o meu quarto e ficar lá escondida, ninguém iria me procurar, teria a minha paz eterna em rons de violeta. Mas quando tenho o pensamento de me levantar, solto outra pergunta:
– Se você é o meu pai, por que não me lembro de ter te visto antes?
- Bom, você passou a morar comigo desde quando desmamou, o que foi bem rápido, cerca de 6 meses depois do teu nascimento. E desde então você ficava comigo, eu te dei tudo o que queria, e todos aqui te amavam...
- Todos? Mas só tem você e o Frederick aqui! – digo interrompendo-o.
- Garota, esse é o submundo, mais comumente chamado de inferno, o que mais tem aqui são demônios, e todos, sem exceções, amam você.
- Caraca, não sei o porq~e, mas esse papo me lembra muito "all the good girls go to hell" – digo.
- An? – Elrik se limita a falar.
- Você nunca ouviu? – Elrik balança a cabeça negativamente – Você precisa ouvir, é uma música muito boa.
- Tá bom, eu vou... Continuando a história: Você morava comigo, mas as vezes saia aos fins de semana para a casa dos teu teus pais de sangue, mas como você ainda não é uma Necromante, toda a tua memória se esvai quando sai daqui. Por isso, eu fiz aquele quarto com vários objetos teus, e ainda deixava você sair com seus ursinhos de pelúcia, porque assim teria alguma lembrança de mim. – fala – mas enfim, é por isso que não se lembra, porque as suas memórias são apagadas sempre que sai daqui.
- Tudo bem, eu sou filha de um Deus, mas não tenho a menor sobre isso porque minhas memórias são apagadas – digo num tom cético
Elrik não se permite ceder à provocação, limita-se a olhar para baixo e ficar observando os buracos no chão cinzento, talvez esteja pensando em um turbilhão de coisas, mas talvez não, isso apenas me deixa mais irritada, pois como ele pode dizer toda essa merda e se achar o suficiente para ser meu pai? E as memórias que tenho da minha família? Se bem que ele tem razão em algo, não me lembro de muita coisa da minha infância, tenho memorias com a minha família, mas é algo tão esporádico que dá a impressão de que nunca fiquei muito tempo com eles. Mas não posso me render às ideias de um deus que todos os humanos odeiam, tenho quase certeza de que está mentindo, por isso me levanto bruscamente e me dirijo para a escuridão ao lado do trono do deus, a mesma pela qual eu entrei.
- Algo mais que quero te dizer é que deverá cumprir três desafios. – ouço elrik enquanto caminho em direção as sombras - Eles serão cruéis, e eu juro que eu nunca os criei, mas para ser uma necromante, será necessário que os realize.
Paro por um instante, antes de me retirar por completo.
- Não sei se quero ser uma. - digo
- Bom, tudo bem, não cabe a você decidir.
E então sigo pela escuridão, vagueio por esse caminho sem enxergar, mas também sem tropeçar em coisa alguma, desta vez. Isso é estranho porque só alguém que conhecesse este lugar muito bem conseguiria andar por aqui sem sentir mal algum. Mas também não vou criar expectativas tolas, estou confusa demais, por isso vou ir na direção do lugar mais seguro daqui: o meu quarto.
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O Poder Da Feiticeira
FantasíaViolet é uma adolescente comum, não é popular, é doce e às vezes, sua bondade acaba se sobrepondo à razão. Tudo é bem normal, exceto pelo motivo de ter sido convocada para um programa de feiticeiros e ter três meses para provar que é uma de con...