Capítulo 15: Tutorial de como enganar deuses

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   Minha irmã me observa atônita pela porta que dá para a varanda de seu quarto. Sua camisola balança intensamente com a força do vento como uma espécie de propaganda televisiva. Sua expressão demonstra a preocupação que ela sente por mim. Eu ainda estou ajoelhada na varanda do seu quarto, sentindo o meu peito literalmente doer por minha aflição e amargura.

   Após Alice abrir a boca várias vezes na tentativa de me consolar, ela se abaixa, me avalia com a maior compaixão possível, - como se eu tivesse que morrer e não ela – acaricia os meus cachos brancos, e por fim, diz:

    - Eu já sabia disso a muito tempo. Já estou preparada desde quando soube, e por favor, não culpe o Elrik. – Ela engole seco - Ele é um bom urso.

   - Não, não é. – rosno com tanta força que sinto minha garganta arder.

   - Você não consegue ver agora, mas um dia entenderá. – Uma lagrima solitária escorre pelo rosto da Alice, enquanto ela faz repetidos movimentos de carinho meu cabelo.

   - Você tem 10 anos, como pode ter tanta certeza? – digo sem expressão alguma.

   - Eu fui criada para isso, linda. – Ela me dá um sorriso que não exprime felicidade sequer. – Já me adaptei com a ideia.

   - Mas não pode ser assim. – Sussurro incrédula.

   - Vem, deite-se na minha cama. Você precisa descansar um pouco antes de fazer o que tem que fazer. - Ela pega a minha mão com um movimento brusco.

   Me levando e sigo a minha pequena lentamente, arrastando as minhas sapatilhas violetas no chão, em uma vã tentativa de agir como uma criança mimada. Estou agindo assim, porque eu definitivamente não quero fazer isso nem vou fazer isso. Deito-me na cama de solteira da minha irmã, que é pequena demais para o meu gosto, pois meus pés estão para o lado de fora. Olho a Alice dar um sinal de que já volta e que posso dormir enquanto ela está fora. Seria uma ótima ideia dormir, mas nunca conseguiria fazer isso, então eu fecho meus olhos e tento obter respostas da única pessoa que poderia me dar: o meu pai.

   "Elrik", grito na escuridão dos meus pensamentos.

   "Apareça, por favor...", continuo enquanto lagrimas saem do meu rosto, "por favor, pai".

   A imagem do urso em minha mente aparece na pior visão que já o vi.

   Ele está usando uma tanguinha azul bebê, que pelo seu formato chega a parecer uma frauda. Dessa vez, está sem os óculos de sol e seus olhos cintilam indicando que chorou. Do seu focinho sai um ranho da cor esverdeado musgo. Ele caminha em minha direção como se o meio entre suas pernas estivesse assado ou como se fosse apenas um derrotado mesmo. Não consegui ver aquele deus engraçado que havia conhecido.

    Vê-lo desse jeito doeu, porque me senti em uma espécie de programa do Discovery Channel com um filhote de urso de pelos negros com fraldinha e ranhoso.

   "Me desculpa, filha.", ele sussurrou, "Eu nã... Eu nunca quis que estes desafios chegassem a isso".

   "Então me ajude a mudar isso, pai", eu imploro a ele, enquanto me ajoelho no chão, "apenas me ajude a mudar"

   "Não, senão os deuses irão te matar", ele desata a chorar novamente.

   "Pois pare de ser egoísta, porque se eu tiver que matar a minha irmã, me esforçarei para que odeie a sua vida no inferno. Para que a tua vida no inferno seja um inferno.", aponto o meu indicador para o seu rosto, enquanto ele franze o cenho em sinal de mágoa, "Você que escolhe."

O Poder Da FeiticeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora