Capítulo II

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No silêncio da madrugada, Kate observa a luz da lua entrar pelas frestas da veneziana de sua janela e iluminar suavemente as partículas de pó que se agitam no ar, pensando se tinha agido certo ao trazer Ben para a cabine na floresta.

Um estranho. Um homem. Mia estava desconfiada, mas com razão. Ben não é má pessoa e jamais mostrou intenção ruim para com Kate, mas ela não o conhece de verdade. Parece inofensivo, mas...

Kate não vai ter dó de matar o cara se ele fizer mal a ela ou a Mia. Não importa que Ben seja o último homem do mundo: a segurança delas vem em primeiro lugar sempre.

Ainda agarrando-se nas beiradas da consciência ao tentar dormir, Kate acorda sobressaltada quando ouve choros e gemidos vindos do outro quarto. Ela pega a lanterna na gaveta da mesinha de cabeceira e levanta rápido, iluminando o chão com a faixa branca de luz. Ela abre a porta zonza de sono e para na frente da de Mia, abrindo-a devagar e espiando para dentro. A garota está todinha encolhida, tremendo e arfando, apertando Dolores em seu peito enquanto tem um pesadelo que lhe faz chorar baixinho.

— Mamãe- Mamãe, me ajuda-

Kate senta na beirada da cama dela e passa a mão em seu cabelo várias vezes, tentando acordá-la sem susto. Mas Mia se debate toda antes de acordar, chacoalhando a cabeça, e lágrimas escorrem pelo seu rosto quando ela abre os olhos finalmente, sem fôlego e suada.

— Calma. — Kate sussurra, acariciando-a. — Tá tudo bem.

Mia senta, respirando com dificuldade, e limpa o rosto. Ela continua tremendo e suas têmporas estão molhadas de suor. Kate vê o medo no rosto dela antes de Mia escondê-lo em seu peito num abraço apertado.

— Eles tão vindo-

— Não tem ninguém vindo.

— Eles tão chegando pra matar a gente-

— Aqui é seguro. Ninguém vai morrer. Respira fundo.

Mia se esforça para recuperar o fôlego, mas volta a chorar no ombro de Kate.

— Posso ficar com você? — ela pede em meio às lágrimas, soluçando que nem uma garotinha.

Kate acaricia suas costas até que ela se recupere um pouco e pega em sua mão, levando-a consigo até seu quarto. Lá, as duas se enfiam debaixo do lençol e se abraçam de novo, ouvindo os gritos distantes dos leões-da-montanha e as corujas piando nos topos das árvores.

Ben acorda logo ao amanhecer ao som de gritos escandalosos e horripilantes vindos do lado de fora da cabine. Todos os pelos do corpo dele ficam arrepiados. A voz parece a de uma mulher em extrema agonia, como se estivesse sendo assassinada com milhares de facadas no peito, e gela o sangue de Ben por vários minutos até a porta de um dos quartos abrir.

Ben senta e esfrega o rosto, assustado. O relógio apita seis da manhã, e a claridade entra pelas frestas de janelas e porta. E está calor também. Ele afasta as cobertas e se espreguiça, ainda tenso com os gritos lá fora.

Do corredor surgem Mia e Cree. O cabelo dela está uma bagunça encaracolada e ela tem a expressão um pouco cansada, mas ainda desconfiada de Ben. Ela entra na sala em silêncio, olhando-o de canto, e abre as janelas para deixar Cree sair.

— ... O que são esses gritos? — ele pergunta.

— Manny. — Mia responde seca enquanto abaixa para procurar comida na mala vermelha e preta. — Leão-da-montanha.

— Parece- Parece uma mulher sendo assassinada.

— É normal.

Mia acha bolinhos de chocolate e baunilha e chás de diferentes sabores. Ela pega o kit incendiário do armário e acende o fogo no fogão de ferro da cozinha para esquentar a água.

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