Ben acorda confuso e desnorteado, sentindo a baba seca no canto da boca e o pé pendurado para fora do sofá.
O corpo inteiro dele está dolorido, mas pela primeira vez em meses ele se sente descansado. Vê faixas de luz do sol num teto de madeira, o candelabro empoeirado, parte da porta da cozinha. Está quente também. Ele vira a cabeça e vê uma garota - Kate - deitada de barriga para baixo no chão, copiando as coisas de um livro grosso para um caderno amassado. Uma dezena de desenhos de pássaros pretos, mais especificamente Cree, decoravam as beiradas das páginas do caderno.
Ben tenta se levantar, mas sente as costelas doloridas. Kate ergue o olhar de sua tarefa e se coloca sentada, sorrindo.
- Dormiu bem? - pergunta - Sua cara tá muito melhor. - Ben balança a cabeça e Kate pega uma caneca que está apoiada na beirada da lareira - Tem café e bolacha.
A cor e o cheiro não deixavam dúvida: era mesmo café. Ben toma um gole grande e suspira, tentando guardar aquele gosto em algum lugar de sua cabeça para nunca mais esquecer. Kate lhe deu meio pacote de bolacha de chocolate; estavam meio moles, mas era um privilégio estar saboreando aquilo. O estômago dele ruge feliz.
- Obrigado. Faz muito tempo que você acordou?
- Eu sempre acordo lá pras sete e meia longe de casa. Mas aproveitei o tempo livre pra costurar sua camiseta e umas roupas minhas, fazer o café, arrumar minha mochila...
Da pilha de roupas Kate ergue a camiseta de Ben com uma costura em amarelo na lateral e a coloca dobrada em cima da calça jeans já seca. Ben olha no relógio: oito e quarenta da manhã.
- Você tá se sentindo melhor? Tá com dor?
- Sem dor.
- É melhor trocar seu curativo.
Ele concorda e termina de engolir o café morno. Kate se aproxima com a bolsinha azul e senta ao lado dele no sofá. Ben ergue a camiseta e Kate remove o curativo velho. O corte está bem vermelho, mas não parece inchado e nem solta pus. A pele ao redor está pintada de manchas roxas e ainda parece bem colada.
- Sem infecção - Kate comemora e Ben solta um suspiro aliviado. - Mas é melhor não fazer esforço por uns dias ou pode descolar antes da pele cicatrizar.
- Tudo bem. Obrigado.
- Sem problemas.
Kate limpa a região com água e detergente e prende com fita outro pedacinho limpo de pano.
- Uh, banheiro?
- Só subir as escadas.
Ben pega sua mochila preta e sobe as escadas para o segundo andar. Kate acha que ele já está com a aparência bem melhor do que ontem, mas ainda parece cansado. Seriam preciso algumas noites boas de sono para se recuperar por completo.
Ela continua escrevendo no caderno as informações sobre tipos de isca e Cree finalmente volta de seu passeio matinal. Ele entra pela janela da cozinha e pousa no ombro de Kate, cutucando sua orelha.
- Achou coisas legais pra gente? - ela afaga sua cabeça.
Cree pula para o chão e se encafofa em sua caixa de sapato perto do sofá. Ele fica olhando interessado para o que Kate está fazendo.
- O dono dessa casa gostava de pescar - Kate explica -, tanto que já peguei uns anzóis e linha pra levar pra casa. E ele tinha esse livro também. - ela lhe mostra a capa: peixes canadenses e onde encontrá-los, com dicas exclusivas da Associação de Pescadores! - Tem até foto. Tô anotando tudo de importante.
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Mortos Revivem
Science Fiction"Cientistas argentinos descobrem vírus milenar em geleiras da Patagônia" Essa foi a manchete que Kate leu na tarde de 30 de junho. Uma cepa antiga e mutada de vírus da raiva é descoberta na Argentina e se espalha pelas Américas em duas semanas, mata...