Ben e Kate dormiram mais tranquilos depois de voltarem à casa branca.
Os dois tinham passado boa parte da manhã e o começo da tarde do dia seguinte arrumando os suprimentos espalhados pelo tapete da sala em sacolas e mochilas, desfazendo a bagunça e abrindo mais espaço. Kate, inclusive, tinha limpado sua bicicleta e costurado algumas roupas.
Ela, sentada no chão, observa Ben no sofá e, sem muito entusiasmo, diz:
— Vou embora amanhã.
Ben encara os olhos castanhos dela, mas não sabe identificar o sentimento ali. É algo como receio, timidez e insegurança.
— ... Tá.
Ele encolhe os ombros e tenta não pensar muito no que faria quando Kate fosse embora. A presença dela o traz conforto e segurança, coisas que ele não sente desde que fugiu de casa meses antes. Ela sabe das coisas e está preparada para problemas — e ele, bom, não está.
— E você? Tem algum lugar pra ir? Quais são seus planos?
— Não tenho plano... Acho que o objetivo é achar um lugar seguro e tentar sobreviver.
Kate sente-se mal, mas o preço por confiar na pessoa errada é alto demais...
— Entendi.
Sendo honesto, Ben está com medo. Não sabe mais dizer se ter vindo ao Canadá era a escolha certa — a língua é estranha (pelo menos o francês), o clima é horrível no inverno e os animais selvagens são ferozes. Pelo menos em casa ele não tinha que lidar com ursos, alces e leões-da-montanha. Mas, em comparação, o Canadá tinha menos gente que os Estados Unidos, e isso significa menos mortos também.
Mas ele não sabe para onde ir. Não conhece as cidades, não conhece as estradas, não conhece as florestas e os rios. Ficar em River Cline não era opção viável.
Ben tem vontade de perguntar se, talvez, poderia ir com Kate até Jasper... Mas sente-se envergonhado e inseguro. Odiaria deixar o clima estranho quando ela dissesse "claro que não!". Ele já se virou por um tempo sozinho mesmo; não deve ser pior do que morar em um carro por meses. Tudo bem, ele daria conta.
Quem sabe ele não arranja um cachorro abandonado para lhe fazer companhia-
— O almoço tá pronto — Kate anuncia, cortando sua linha de raciocínio.
Eles almoçam em silêncio. Ben, Kate percebe, está mais quieto e deprimido do que de costume. Ela se sente culpada.
Depois, aproveitando o sol escaldante, eles sentam no jardim para lavar as roupas.
— Ainda não acredito que perdi minha jaqueta — Kate suspira, chateada. — Era do meu pai.
Ben abre o zíper da mochila e tira algo azul de dentro, colocando-o nas mãos de Kate.
— Eu... Achei essa jaqueta na delegacia, mas é pequena pra mim. Pode ficar com ela.
Kate olha para ele, mas Ben já tinha abaixado o olhar para o balde com água suja.
Ela abre a jaqueta: é da polícia de River Cline, de couro sintético azul escuro por fora e nylon por dentro, cheio de bolsos internos e o bordado da insígnia da polícia e da bandeira canadense no peito. Está cheia de pó e com manchas de café nos punhos, mas cabe com folga e parece ser bem resistente.
— Uau! Obrigada, Ben, é perfeita.
— De nada — ele murmura de volta.
Oh. Ele ainda está abatido.
Ben tinha feito tanta coisa por ela que Kate acha horrível deixá-lo à própria sorte em um lugar novo e desconhecido. Ele era, afinal, um dos poucos sobreviventes que restaram.
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Mortos Revivem
Science Fiction"Cientistas argentinos descobrem vírus milenar em geleiras da Patagônia" Essa foi a manchete que Kate leu na tarde de 30 de junho. Uma cepa antiga e mutada de vírus da raiva é descoberta na Argentina e se espalha pelas Américas em duas semanas, mata...