Capítulo XIV

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Ben e Kate dormiram mais tranquilos depois de voltarem à casa branca.

Os dois tinham passado boa parte da manhã e o começo da tarde do dia seguinte arrumando os suprimentos espalhados pelo tapete da sala em sacolas e mochilas, desfazendo a bagunça e abrindo mais espaço. Kate, inclusive, tinha limpado sua bicicleta e costurado algumas roupas.

Ela, sentada no chão, observa Ben no sofá e, sem muito entusiasmo, diz:

— Vou embora amanhã.

Ben encara os olhos castanhos dela, mas não sabe identificar o sentimento ali. É algo como receio, timidez e insegurança.

— ... Tá.

Ele encolhe os ombros e tenta não pensar muito no que faria quando Kate fosse embora. A presença dela o traz conforto e segurança, coisas que ele não sente desde que fugiu de casa meses antes. Ela sabe das coisas e está preparada para problemas — e ele, bom, não está.

— E você? Tem algum lugar pra ir? Quais são seus planos?

— Não tenho plano... Acho que o objetivo é achar um lugar seguro e tentar sobreviver.

Kate sente-se mal, mas o preço por confiar na pessoa errada é alto demais...

— Entendi.

Sendo honesto, Ben está com medo. Não sabe mais dizer se ter vindo ao Canadá era a escolha certa — a língua é estranha (pelo menos o francês), o clima é horrível no inverno e os animais selvagens são ferozes. Pelo menos em casa ele não tinha que lidar com ursos, alces e leões-da-montanha. Mas, em comparação, o Canadá tinha menos gente que os Estados Unidos, e isso significa menos mortos também.

Mas ele não sabe para onde ir. Não conhece as cidades, não conhece as estradas, não conhece as florestas e os rios. Ficar em River Cline não era opção viável.

Ben tem vontade de perguntar se, talvez, poderia ir com Kate até Jasper... Mas sente-se envergonhado e inseguro. Odiaria deixar o clima estranho quando ela dissesse "claro que não!". Ele já se virou por um tempo sozinho mesmo; não deve ser pior do que morar em um carro por meses. Tudo bem, ele daria conta.

Quem sabe ele não arranja um cachorro abandonado para lhe fazer companhia-

— O almoço tá pronto — Kate anuncia, cortando sua linha de raciocínio.

Eles almoçam em silêncio. Ben, Kate percebe, está mais quieto e deprimido do que de costume. Ela se sente culpada.

Depois, aproveitando o sol escaldante, eles sentam no jardim para lavar as roupas.

— Ainda não acredito que perdi minha jaqueta — Kate suspira, chateada. — Era do meu pai.

Ben abre o zíper da mochila e tira algo azul de dentro, colocando-o nas mãos de Kate.

— Eu... Achei essa jaqueta na delegacia, mas é pequena pra mim. Pode ficar com ela.

Kate olha para ele, mas Ben já tinha abaixado o olhar para o balde com água suja.

Ela abre a jaqueta: é da polícia de River Cline, de couro sintético azul escuro por fora e nylon por dentro, cheio de bolsos internos e o bordado da insígnia da polícia e da bandeira canadense no peito. Está cheia de pó e com manchas de café nos punhos, mas cabe com folga e parece ser bem resistente.

— Uau! Obrigada, Ben, é perfeita.

— De nada — ele murmura de volta.

Oh. Ele ainda está abatido.

Ben tinha feito tanta coisa por ela que Kate acha horrível deixá-lo à própria sorte em um lugar novo e desconhecido. Ele era, afinal, um dos poucos sobreviventes que restaram.

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