A Dama dos Olhos

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20/05/2006

  Depois de ouvir sobre vocês de meu amigo Joseph, resolvi lhes escrever esta carta. Eu não sei quem vocês são e como lidam com estas coisas, mas espero apenas que acreditem em mim. Todos para quem conto desmerecem minha história, me acusam de alcoolismo, e no fim todos eles podem se tornar mais uma vítima dela...

  Tudo começou em uma tarde com os amigos, nós estávamos bebendo na casa de Tom quando perguntei para eles sobre alguma casa para passarmos as férias. O frio já estava chegando e eu, assim como minha namorada, queríamos relaxar em algum lugar tranquilo e longe de tudo. Já havíamos passado outros invernos em fazendas e este clima sempre nos agradou. Com minha indagação, Harry mencionou sobre uma casa de seus tios, a qual já está quase abandonada. Meu velho amigo contou que sua família já não visitava esta casa fazia anos, devido a distancia, além de já estarem com a idade avançada. Todavia, seus parentes alegavam que devia estar em bom estado.

  A primeiro momento nós apenas conversamos numa boa, não discutimos muito sobre o assunto, mas minha namorada Júlia havia demonstrado interesse no negócio. Não dava para negar, assim como eu ela adorava estes lugares tranquilos...

  Após algum tempo, nós já havíamos procurado em muitos lugares mas todos eram caros ou distantes demais para nosso orçamento. Em um domingo a noite, o dia em que nos reuníamos pra comer pizza na casa de Harry, eu cometi o erro de mencionar mais uma vez a nossa busca por um lugar. A tia de Harry estava presente e comentou novamente sobre a tal casa, trazendo a tona mais uma vez o interesse de Júlia. A maldita velha não parava de falar da casa, sobre como foi lá que elá conheceu seu marido, chegou até mesmo a buscar um álbum antigo. Eu não podia negar, era é linda, e com tamanha euforia nós acabamos por aceitar a proposta.

  Duas semanas depois deste ocorrido, estávamos eu e Júlia subindo a pequena colina para a casa. A viagem havia sido longa e isto tomou toda a claridade do dia. O vento uivava junto ao balançar da copa das árvores. O frio da noite não nos tranquilizava como antigamente, apenas nos deixava com certo receio sobre o que viria a seguir.

"Este lugar não se parece com o da foto" disse-me Júlia.

  E era verdade. Toda a vida e alegria parecia ter sido sugada, varrida pelo tempo e a escuridão. A cada passo que dávamos minha namorada se queixava, arrependida de alimentar esta ideia assim como eu, mas eu lhe dizia que já havíamos ido longe demais para desistir assim. Depois daquela viagem toda, queria ao menos passar uma noite ali.

  Enfim chegamos as portas do casebre. Era feito de uma boa madeira, apesar de antiga, e emitia um odor maravilhoso de natureza. Naquela hora pensei estarmos sendo bobos por ter medo, afinal era apenas mais uma casa do campo.

  Demorei um pouco para enfim destrancar a porta emperrada e podermos sair daquele frio amaldiçoado. Pulamos para dentro da casa e o lugar estava completamente escuro. Por sorte, eu havia trago comigo uma boa lanterna, para caso chegássemos de madrugada, e com ela pude ver melhor a situação. De fato, o local estava em bom estado e algumas caixas podiam ser avistadas, provavelmente do último morador.

  Apesar dos agasalhos, estávamos ainda com muito frio, fazendo Júlia se agarrar ao meu braço. Eu lhe acalmei dizendo que logo acenderíamos uma fogueira, mas ainda assim ela não parava de murmurar que este lugar era estranho e que não queria ficar sozinha.

  Exploramos a casa aos poucos, tentando não tropeçarmos no escuro, mesmo que portasse uma lanterna. Um pequeno ruído então veio de uma sala. Não era de ratos e muito menos de baratas. Parecia uma coisa arranhando a outra... E uma voz.

Um sussurro bem distante, quase como... um lamento.

  Temerosos, nós nos dirigimos a tal sala. Júlia me apertou ainda mais forte. Eu toquei a fria maçaneta e a porta enfim se abriu. Com cuidado, eu espiei aquele lugar e apenas escuridão ali residia. Tão negro era que não havia nem mesmo uma falha na madeira, era totalmente isolado da luz. Tomado pela curiosidade, eu ergui minha lanterna e a luz nos trouxe algo peculiar aos nossos olhos.

  Havia uma pessoa ali, de costas para nós. Seus cabelos eram longos e negros, nos fazendo pensar ser uma mulher. De certa forma, não era tão estranho pensar que alguém havia se apropriado da casa e agora vivia ali ilegalmente. No entanto, como ela havia entrado nesta casa se as portas estavam trancadas? E por que ela estava em um lugar tão escuro?

"Ei! Você está bem?!" Eu gritei, quase como um instinto.

A mulher continuou a arranhar a madeira, aquele som era irritante.

"Deixa ela! Vamos embora!" Suplicava Júlia.

  Mas não fazia sentido sairmos sem saber de nada. Talvez a garota fosse alguém precisando de ajuda e nós não tínhamos para onde ir naquelas horas. Obviamente, aquele clima estranho também estava me afetando e já pensava em ir embora, mas uma última vez eu tentei alcançar a mulher com minhas palavras... E foi então que nós percebemos que não era uma mera mulher.

  O ser envolto em trevas então olhou para nós e seu rosto era apenas uma cratera negra de formato oval. Não havia nada ali, apenas um vazio negro. Seu corpo era coberto por um fino vestido e sua pele por inúmeros olhos, mas não era olhos normais, pareciam... Olhos de rato, pequenos e asquerosos. Era uma visão bizarra e que me dava nojo.

  Com um grito de desespero, nós saímos correndo daquele lugar. A lanterna tremia em minhas mãos e a escuridão tentava nos pregar uma peça. Júlia segurava minha mão e aquele era meu único calor, soprado pouco a pouco pelo frio do medo percorrendo meu corpo. Mesmo após sairmos da casa, não nos permitimos parar, aquela coisa poderia estar atrás de nós. E estávamos certos.

  Ouvimos um alto som de passos, como se alguém muito pesado estivesse correndo e vinha na nossa direção. O som do lamento ecoou, mas agora distorcido, como uma besta.

  Uma grande força me deteve e eu olhei para trás, a mulher dos olhos agarrou o corpo de Júlia e minha resistência se provou inútil. O calor de sua mão me deixou junto aos seus gritos eufóricos. Lágrimas escorriam de nossos olhos e minhas pernas continuaram. Um peso enorme me destruía por dentro, mas eu só pensava em fugir. E da última vez que olhei para trás, pude ver a mulher escavando brutalmente um buraco no rosto de Júlia...

  Eu corri durante horas, até o amanhecer. Quando enfim encontrei a civilização, liguei para um de meus amigos para vir me buscar. Mas mesmo depois de explicar os ocorridos, ninguém acreditou em mim. A polícia também visitou o local, mas não havia mais nada lá, além de algumas manchas de sangue no gramado, os levando a pensar que Júlia fora atacada por algum animal selvagem.

  Já se passaram dois anos e ainda me recordo claramente dos gritos dela... Eu sou um monstro por ter fugido? Se eu tivesse outra chance, morreria por ela... Mas nada disso importa agora. Tudo que preciso, é que acreditem em mim.

Logain Sligh

Relatos MalditosOnde histórias criam vida. Descubra agora