Enviados do Diabo

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756 d.C

  Como um mero comerciante, havia mais coisas para me assustar que usurpadores do trono ou o declínio romano. Ladrões talvez já não fossem o pior dos males, pois circulavam pelo reino rumores sobre algo verdadeiramente assustador. Diziam sobre feitiçaria, as mulheres que compactuam com o Diabo e entregavam suas almas em prol de sua maldade, e desta magia nefasta criaturas direto do inferno estariam a nos assombrar.

  Nunca fui um homem de rumores, afinal é preciso conferir por si mesmo o preço das coisas e a intensidade no olhar do negociante para obter uma boa pechincha, sem estragar tudo. Ainda assim, talvez houvesse algum medo em meu coração, pois todas as noites me tornava inquieto sobre as criaturas.

  Meus olhos repousavam em minhas pequenas filhas que dormiam tranquilamente sem pesadelos, ainda eram pequenas e me amargurava imaginar que um dia talvez tivesse de casá-las com algum nobre para lhes prover um futuro digno. Todavia, a magia do comércio é sonhar que poderemos enriquecer do dia para noite, e se o tal acontecer, este futuro poderei mudar.

  Minha esposa estava exausta e também se pôs a dormir, mesmo que seu marido estivesse inquieto mais uma vez. Eu andava pela casa, imaginando sobre as bruxas e essas coisas, seria mesmo que o mundo nos esconde tamanhas monstruosidades? Seria mesmo, que a graça do bom Deus poderia nos proteger? Não ouso duvidar da glória de nosso senhor, mas ainda assim, um temor me enchia de inseguranças.

  Foi naquele momento, tomado por incertezas, que uma forte ventania pôde ser ouvida. Corri para as janelas, e pelo vidro embaçado pude observar uma estranha neblina vermelha cor de sangue entrando pelos portões do reino. A noite já havia caído e alguns sentinelas estavam confusos com aquilo, um deles até mesmo chegou a sacar sua espada.

  Pensei em acordar minha família, mas continuei a observar aquela cena. Os dois cavaleiros brigavam entre si, conflitos sobre o que deveriam fazer quanto a esta neblina, mas... algo parecia ainda mais estranho naquilo. O sentinela apontou sua espada para o seu companheiro, e o outro passou a tremer de maneira grotesca, como uma marionete cujas cordas tremulavam.

  Cruelmente, uma mão podre perfurou o coração do cavaleiro, rompendo até mesmo sua lustrosa armadura e uma figura sinistra surgiu em suas costas. Tinha uma silhueta humana, com um manto negro o cobrindo, suas mãos e pés eram podres, esguias, mas o pior era seu rosto... Sua cabeça era meramente um crânio vermelho, com órbitas vazias e mais neblina vazando de sua mandíbula.

  Sangue escorria pelo homem, enquanto seu amigo aos berros gritava com a espada em punhos. O corpo despencou e a criatura mortífera caminhou lentamente em direção ao próximo alvo, sem dar a mínima atenção para o medo do sentinela.

  O cavaleiro não abaixou sua arma, sussurrando palavras de coragem pelo Nosso Senhor, e com um ímpeto de bravura investiu contra o ser das trevas, que meramente perfurou seu peito assim como fizera com o outro.

  Em sua mão apodrecida, um coração mergulhado em sangue pulsava, e sem condolências o enviado do Diabo a devorou. Degustando a vida e a honra do cavaleiro, sumindo junto a neblina que o trouxera a nossas terras...

  Quem daria ouvidos a história de um mero comerciante? Sim, eu seria visto apenas como um adorador das bruxas, espalhando a palavra dos corrompidos. Mas, vocês não são assim, não é, caçadores?

Dominic Waterson

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