Rainha Abissal

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18/02/1925

  Nós partimos durante a manhã e o ar frio era nosso amigo junto de um café quente, um pequeno nevoeiro começava a nos encobrir conforme nos afastávamos da costa, limitando nossa visão do belo horizonte. O mar estava calmo, e o vento seguia junto ao nosso curso, nos levando cada vez mais para o destino de nossa aventura rotineira.

  Jack já preparava as iscas em seu anzol, um balde de minhocas frescas, ele sempre adorou usá-las como isca por crescer ouvindo seu pai falar delas. Parece que se tornou uma tradição familiar. Continuei dando algumas remadas, sentido o peso das águas a cada movimento, um exercício que já se entranhou no meu ser, de tanto repeti-lo em nossas pescas. Era inevitável, afinal Jack sempre foi o mais habilidoso e eu o mais forte. Um compensava os pontos fracos do outro, foi assim que pescamos os maiores peixes da região.

  Mas, naquele dia algo parecia fora do normal. Lembro-me que Jack subitamente soltou o anzol, com uma expressão assustada, como se tivesse visto algo assombroso. Eu olhei para todos os lados, não havia nada além de névoa, e lhe indaguei sobre o que estava ocorrendo. O homem, jovem porém sábio, me respondeu "Tem algo de muito errado nos ventos".

  Jamais fui um grande navegador ou entendedor dos mares, mas se alguém como Jack agia deste modo, significava que realmente estávamos em apuros. Uma sensação ruim percorreu meu corpo, e de fato o vento começou a soprar forte como se uma poderosa tempestade fosse começar.

  Gritei para ele me ajudar a remar e mudarmos o curso, mas ele disse que era tarde demais e o vento iria nos fazer virar o barco deste jeito. Foi então que a névoa se dissipou a algo inacreditável aconteceu. Redemoinhos de água se levantaram e tocaram as nuvens, como um pilar e dos mares ao longe, um ser emergiu.

  Era uma menina, de longos cabelos e desprovida de quaisquer indumentárias, que caminhava sobre as águas vindo em nossa direção. Ela não expressava nada em seu rosto, apenas olhava para nós. Notei que haviam marcas de queimaduras em seu corpo, mas um tanto envergonhado desviei o olhar de sua silhueta infantil. Jack gritava para eu sair do transe e o barco balançava sem parar, barulho atrás de barulho, quase me deixando surdo.

  Eu olhei para a criança novamente e chamas azuis crepitaram de seus olhos, o medo me corrompeu e sugeri pularmos da embarcação. Jack me olhou de modo estranho, quase como se quisesse chorar, me dizendo apenas "Vá! Eu seguro ela". Isso não era verdade, ele era o menos provável de lidar com aquela coisa, mas o medo que me consumia falava mais alto e me tirou o raciocínio.

  Os pilares foram envolvidos com aquele azul incandescente, se transformando em inúmeros tufões de fogo, espalhados pelo mar aberto, com a menina se aproximando pouco a pouco de nós.

  As últimas palavras que ouvi de Jack foram "Adeus amigo" e eu me lancei em alto mar, com meu corpo sendo carregado pelas águas turbulentas daquela manhã bizarra. Depois daquilo, eu perdi a consciência...

  Não sei bem quanto tempo passou, mas acordei em uma praia desconhecida, uma pequena ilha próxima do local. Por dois cinco, sobrevivi ali, me alimentando apenas de frutas que julgava não ser venenosas e escapando da enorme quantidade de cobras que nela habitava. Jack, eu esperei por ele na praia todos os dias, mas nem ele ou a menina apareceram.

  Muito tempo já se passou desde meu resgate daquele lugar e minha história sempre é vista como um desrespeito a morte de Jack... Duvido muito que possam achar meu amigo, mas apenas o sentimento de me confessar a vocês e saber que acreditam em mim, já me é o suficiente.

Paul Lemnage

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