Rosa Negra

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02/11/2012

  Nós éramos uma linda família, cheios de amor e momentos felizes. Eu, minha doce Letícia e nosso pequeno Jok. Meu desempenho na empresa me proporcionou que mudássemos para uma casa melhor, assim como o novo emprego de minha esposa no salão. A casa era linda, com dois andares e uma vista primorosa da rua, sem mencionar o majestoso jardim nos fundos.

  Mas as coisas não iriam bem para sempre. Um casamento, ou talvez a vida em si, é cheia de momento ruins, que servem para nos testar. Para testar o nosso valor, nossa índole e nossa coragem. E nesta avaliação, eu reprovei.

  No auge de minha carreira, fui demitido injustamente, acusado de um crime que não cometi. Alguém... Alguém armou pra mim, motivado por inveja do meu sucesso. Aquilo me deixou transtornado. Todo meu empenho, toda minha vida, jogado no lixo apenas pelo ódio de uma pessoa que eu sequer sabia quem era...

  Foi assim que nossas brigas em casa começaram, me tornei alguém irado e frio, explodindo com todos a minha volta. E este meu estado só piorava, conforme eu não conseguia um novo emprego. Letícia era paciente comigo, tentava resolver tudo. Mas mesmo assim, me portava como um crápula desalmado. Com raiva, com ódio, com inveja.

  Em um dia chuvoso, minha mulher veio brigar comigo por ter gasto seu dinheiro com bebidas. Já alcoolizado, eu havia perdido a noção de tudo e apenas amargura residia em mim. Entre os gritos de Letícia tentando me fazer acordar para este mundo, eu me enfureci e lhe soquei a face. O corpo frágil de Letícia foi arremessado pelo impacto e... Ela despencou da escada.

  Fiquei em choque, sem saber como reagir aquilo. Por que eu fiz isso, por que com ela, por que...? Com o coração acelerado, desci as escadas e lá encontrei minha esposa sobre uma poça de sangue, que crescia a cada segundo. Eu vomitei de imediato e tudo em minhas entranhas pareceu doer junto cerrar de meus dentes tremendo.

  Ela estava morta.

  Por dois dias, eu deixei seu corpo ali e a observei. Meus olhos não desviavam dos dela, vidrados e sem vida, como se refletissem meu pecado. O cheiro logo chamaria a atenção das pessoas. Eu me tornei covarde perante minhas atitudes e decidi fingir que nada aconteceu.

  Durante uma madrugada de domingo, eu enterrei o corpo de Letícia no jardim. Demorou horas, mas ninguém jamais o encontraria ali junto ao cheiro das flores.

  Meses se passaram e, somente eu e Jok, permanecemos naquela casa enorme. Eu vendi vários de nossos móveis, passei a viver trancado ali e consumindo o mínimo necessário para sobreviver. Tinha medo de sair, de fazerem perguntas, de voltar a ser um monstro.

  Em um certo dia, ouvi as sirenes da polícia e uma ambulância. Haviam encontrado um corpo, mas não era o de minha falecida mulher, era de uma criança. O menino passeava de bicicleta. e seu corpo fora avistado em frente aos fundos minha residência. Obviamente, fui obrigado a dar depoimento, mas de nada sabia. Com receio, fui verificar o jardim, e foi naquele momento que percebi algo. Uma rosa negra curiosamente havia crescido ali, no exato local onde enterrei Letícia.

  Uma paranoia doentia então tomou meus pensamentos, e passei a vigiar aquela rosa todos os dias pela janela. Talvez fosse apenas a minha imaginação, mas algo ruim eu sentia toda vez que chegava perto daquela coisa. Cheguei a cogitar arrancar ou tacar fogo na rosa, mas um medo infundado me dominava para jamais o fazê-lo.

  Era uma noite chuvosa, e jantava na sala assistindo uma pequena televisão usada que comprei. Notei que meu pequeno companheiro não estava ao meu lado e isto me desesperou, corri para a entrada da casa e a porta estava aberta, um erro maldito de minha parte. Aquela sensação, aquela paranoia, eu senti e me guiei para a janela do segundo andar.

  Gritos e uivos tomaram a minha atenção, e ao chegar lá pude avistar o pequeno Jok ser arrastado por cipós e raízes negras em direção a flor maldita. Eu gritei por meu cão e uma cabeça surgiu da terra. Um corpo de mulher emergiu do jardim lamacento, cheia de espinhos e raízes, como uma planta... E seu rosto, era o de Letícia.

  Suas raízes perfuraram a pequena criatura e pareciam sugar suas vísceras para si, uma espécie de planta vampírica com uma natureza bizarra. Eu gritava feito louco, até o momento que a mulher olhou para mim, com seus olhos brancos e um sorriso costurado por espinhos negros...

  Desci as pressas e sai pela entrada principal, fugi daquela casa, fugi daquela vida...

  Já se passaram dois anos desde este evento, e mesmo que minha vida tenha sido poupada, sinto que precisava contar isto a vocês. Talvez salvando estas vidas das mãos deste monstro, eu possa aliviar meus pecados...

Maurício Bellavar

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