Imitador

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  Uma chuva torrencial havia coberto minha pequena cidade, o que não era tão incomum devido ao clima local. Minha turma foi liberada mais cedo naquele dia e me amaldiçoei por ter esquecido o guarda-chuva. Uma colega de turma, com a qual jamais conversava, me abordou e se ofereceu a dividir seu guarda-chuva comigo, já que morava na mesma direção e teríamos de parar no mesmo ponto de ônibus. Necessitado aceitei sem hesitar, nos colocando a caminhar por aquele dia estranhamente chuvoso.

  Seu nome era Alexia, uma garota quieta e da qual pouco me recordava. Com o silencio entre nós, ouvindo apenas o som da chuva, tentei puxar assunto com ela apesar do constrangimento. Mas, interrompendo minha conversa sem sucesso sobre o tempo, um grande clarão nos cegou por um segundo e a menina desapareceu.

  Eu fiquei desesperado, deixando até mesmo o guarda-chuva cair ao chão. Um frio penetrou todo meu ser, um medo além do que poderia compreender. Gritei aos berros pelo seu nome, aflito e com o corpo tremendo. Não havia mais ninguém por ali, apenas a vaga lembrança de Alexia.

  Foi então que ouvi uma voz... Alguém também gritava por Alexia, e isto me encheu de esperança momentaneamente. Corri na direção do som, mesmo que cada passo parecesse mais pesado junto ao medo. Havia algo de errado ali, e mesmo atônito poderia perceber.

Aquela... Era a minha voz.

  De dentro da chuva surgiu uma silhueta, era exatamente as roupas que eu usava, uma pessoa idêntica a mim. No entanto, com uma ligeira diferença que me fez quase vomitar. Sua cabeça estava invertida, de ponta cabeça, tendo sangue escorrendo por sua boca e pescoço. Era eu ali, sangrando e sorrindo como um doente.

  Eu congelei, aquela coisa andava até mim, tremulando de forma bizarra, rindo a cada passo e deixando cair ainda mais sangue.

"Alexia!! hAhAHaHHAaH!! Alexia!!"

  Ele repetia tudo que eu dizia, acrescentando uma gargalhada perversa. Ainda em choque, não conseguia me mover, apenas observava aquela criatura medonha se aproximar. Perdido em memórias e já convicto de que seria o fim, comecei a soltar súplicas por minha morte. E ele, apenas imitava.

"Por favor Deus não...!"

"Sim, Diabo sim...! HAahAHHAhahhhAHHH!!"

"Eu não quero morrer assim..."

"Eu quero morrer, corte a minha garganta... hhAHHhhaHHAhAH!!"

"...Desculpa Alexia... Eu nunca quis te ignorar, eu nunca quis te fazer esse mal..."

"Morra Alexia... Puta desgraçada, você vai sangrar por eu não te amar... hhAHhaHHahAhh!!"

  Ele rio na minha cara, respingando sangue no meu rosto. Suas mãos se tornaram garras enormes, seus dedos pareciam ferrões e com eles começou a abrir meu estomago ao contemplar os meus urros de dor abafados pela chuva.

  E como uma piada trágica do destino, um novo clarão aconteceu e meu corpo desabou sem forças. Alexia gritava por mim, chorando sem parar enquanto me abraçava forte e sangue quente jorrava da minha boca. Nós ficamos abraçados sob a chuva por alguns minutos, até que uma ambulância veio nos socorrer.

  Nenhum de nós dois nunca entendeu o que houve naquele dia, mas desde então nunca mais me afastei de Alexia. No começo foi por medo de um novo clarão surgir, por não ter com quem me abrir, e depois... foi por ter aprendido a lhe amar.

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