19. Sorriso de um bilhão de Ienes

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P.O.V SUGURU NIRAGI

tóquio, antes da borderland

Sua pele era macia e quente, sua derme gentilmente tocava-me conforme Hyori se pressionava contra meu peito a procura de amparo. Segurá-la era reconfortante de todas as maneiras possíveis, o mundo agora se tornava apenas ela e eu, ambos completamente destruídos, tentando conter a dor um do outro. Ela parecia procurar asilo em minha presença, assim como eu fazia com ela. Sua respiração era pesada e seu corpo lentamente ficava mais confortável em meus braços, tudo isso indicava o quão viva ela estava para mim, mesmo sem dizer nada, mantendo um silêncio confortável, não se questionava o porquê de meu desespero, e eu fazia o mesmo.

Éramos extremamente egoístas, mas aqui e agora dividimos um mesmo universo, meio a meio, um mundo onde existe apenas Suguru e Hyori. Ambos a beira de um colapso, mas equilibrando-se um no outro. Eu não conseguia imaginar algo que a deixaria abalada, e também não me importava de verdade. Ela estava ali e eu também, isso era relevante de verdade.

Eu fiz algo terrível e pouco me importo. Não foi a coisa mais horrenda a qual já cogitei fazer. Afinal, antes a vida deles do que a minha. Mas isso também não ocultava o quão desumano eu estava sendo.

Caso esteja se perguntando, não. Eu não vou contar para ela. É melhor que Hyori simplesmente esteja livre de meus dramas, é bem melhor que nada que eu faça a afete de verdade. Eu sou abominável, e por mais que eu confie em suas promessas, que eu saiba que essa garota iria me apoiar não importa o quê, arrastá-la ao inferno comigo por conta disso seria crueldade. Parecia apenas errado dividir segredos sombrios com meu sol da tarde.

Seu corpo contra o meu era serotonina pura, tê-la perto de mim era como a forma mais genuína de felicidade, Hyori me atingia como êxtase, sua presença era envolvente e viciante. Eu me sentia mil vezes melhor apenas por saber que ela existia, que não era uma alucinação criada pelo meu subconsciente machucado. Sua presença era a prova de que eu não estava louco. Não ainda.

Eu ainda não havia enlouquecido, não completamente.

— Você quer... Fugir comigo? — Pergunto relutante, a voz fraca quebrando o silêncio que havia se formado com muito esforço. Ela pensou, apertou-se mais contra mim e olhou bem para meu rosto, mais uma vez ela me mapeava.

— Só nós dois? — Ela sussurrou de volta. Sua voz estava mais séria que o normal, como se isso fosse o pedido mais importante que alguém poderia fazer para ela.

— Só nós dois. — Concordei. Levei uma de minhas mãos até seus cabelos, acariciando com amor, deslizando desde o topo de sua cabeça até as pontas. — Eu já tenho um lugar. Não quero ficar sozinho, e parece que você também precisa fugir.

— Eu acho que dinheiro não é mais um problema... Hahaha! — Ela riu, sua voz aos poucos embargando, se encolheu em meus braços e puxou minha camisa. Porra. Eu não deveria me intrometer em seus assuntos, parece doloroso de se explicar.

Ela não chorou, provavelmente achava humilhante fazer isso na minha frente. Eu a entendo.

Porra, por que eu não sinto nenhum remorso?

Eu me sinto leve. Me sinto livre daquela bruxa. Em quase dezoito anos, eu podia voar sem me preocupar.

...

Minha visão ainda estava meio embaçada, se adequando a quantidade de luz que entrava pela janela, os feixes de luz tocando a face de Hyori, sua face bela e sem maquiagem alguma. Ela continuava bonita assim. Hyori me encarava, ela foi a primeira coisa que vi mais uma vez. Timidamente sorriu, suas bochechas ruborizando ao ser flagrada me encarando enquanto eu dormia. Seu sorriso era do tipo forçado, o tipo de sorriso que se dá apenas para não preocupar uma outra pessoa, ou para reconfortá-la.

Eu não sabia o que era mais perturbador, o que ela estava me escondendo ou o que eu estava escondendo dela. Vindo dessa garota, eu não duvidava de nada, pensar em algo mais perturbador do que matar a própria mãe não deveria ser muito difícil de pensar para ela.

Suguru Niragi, qual era o seu problema? Você matou sua própria mãe e ainda se atreve a dormir como a porra de um anjo? Eu nem ao menos tive um pesadelo...

Me sento na cama, apoiando minha cabeça no ombro de Hyori, seu guarda-roupas estava vazio, assim como sua penteadeira. Devo presumir que aquelas três caixas no canto do quarto eram sua mudança. Aquelas três caixas eram o que resumia sua vida, apenas três caixas de tamanho médio era o que Higashikata Hyori precisava para sobreviver. Não a julgo, ela foi rápida em decidir.

— Você já está pronta para ir?— Pergunto, minha voz vacila. Voz rouca como em todas as manhãs, pronunciar apenas uma frase exigia de todas as minhas energias matinais.

Ela concordou com a cabeça, levantou-se e pegou o travesseiro da cama. Mordia os lábios ansiosa. Isso foi fofo.

— Pode se dizer que estamos casados agora. — Comento, me dirigindo em direção das caixas e pegando uma. Pude sentir seu travesseiro voar em minha direção, tenho certeza de que sua expressão era da mais pura raiva.

— Não somos casados. Nem namorados. — Ela protestou. — Somos... Colegas de quarto.

— Eu gosto de você. — Sussurrei, mais uma vez pegando as caixas.

— Eu sei. — Ela sussurrou de volta.

Ela disse de um jeito tão... Ela é perfeita.

Niragi, ela acabou de te rejeitar, por que você gostou? Inferno de garota.

Tenho vontade de bater nela. Mas eu sei que é meio que o contrário. Hyori costumava me deixar raivoso de uma forma muito proveitosa. Ela sorria como se estivesse adestrando um cachorrinho.

Hyori chamou um táxi, pela primeira vez estaria vendo minha casa. Eu não sou pouca merda, não aluguei o primeiro lugar que me apareceu. Não era muito caro, mas também não era pequeno. Um loft médio com uma cozinha e um banheiro. Por enquanto nenhum móvel além dos eletrodomésticos e uma mesa para o computador. Era meu trabalho, afinal.

Assim que a porta se fechou eu pude ouvir sua caixa cair, Hyori dava pulinhos animados sem dizer uma única palavra. Acho que ela gostou. De fato. Eu tinha me esquecido do quão fácil de ler ela era. Emoções fortes e de curta duração, um quarto do tempo estava extremamente feliz, em outro quarto extremamente brava ou excitada, e na outra metade ela apenas não esboçava nada. Correu para a janela mais próxima, abrindo e colocando a cabeça para fora. Olhava para baixo, percebendo o quão alto estávamos.

— Dá pra matar alguém daqui se você jogar uma moeda! Imagina! — Ela riu. Porra, eu lembrei. Sou a porra de um assassino sujo.

Enfim, seu sorriso valia um bilhão de Ienes.

Ela continuou seu tour, não tinha muita coisa para ver, era apenas um grande cômodo e um banheiro sem graça. Mas ela parecia ter amado. Elogiava cada canto e logo depois dizia um:

— Sabe, eu sempre quis morar em um apartamento! — Fofa...

Bom, a vontade de dar um tapa nela sumiu. Era oito ou oitenta. Depois disso, acho que eu nunca mais vou estar em um meio termo com Hyori. Sempre querendo protegê-la, ou querendo machucá-la, ou querendo possuí-la. Nunca um meio termo.

— Oh! Tem mais uma coisa que eu quero fazer com você! — Ela sorriu, novamente um sorriso alegre e genuíno. Merda... Acho que eu estou com cara de bobo. É encantador vê-la assim. O mundo era rosa. Eu simplesmente me sentia mais leve. Hyori correu até uma de suas caixas, fuçando até achar o que queria. Manteve-se parada por alguns instantes, escondeu o objeto atrás das costas e veio até mim.

— Adivinha. — Ela sorriu. Fofa... Neguei com a cabeça e ela revirou os olhos.

Era uma coleira. A filha da puta colocou uma coleira em mim mais uma vez.

Admito, eu estava começando a gostar de ser seu brinquedinho.

Seu sorriso sádico realmente valia um bilhão de Ienes. 

Yandere ヤンデレOnde histórias criam vida. Descubra agora